sexta-feira, 18 de novembro de 2016

QUASE HISTÓRIAS: DESCANSA LOGO, ADELINO

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FOTO: YOUTUBE
Antes de promover a reunião com seus filhos, todos já crescidos e em idade de andar com as próprias pernas, a futura viúva gastou dias e mais dias fazendo e refazendo contas e projeções financeiras. Tinha pleno conhecimento das receitas e despesas de casa. Tudo na ponta do lápis, tudo anotadinho com o rigor de contador profissional.

Filhos reunidos, foi direto ao assunto, nunca foi mulher de rodeios:

-- O pai de vocês não vai longe, segundo o médico. É questão de dias.

-- Mamãe, não diga uma coisa dessas. O que será de nós sem o papai? – choramingava a mais fingida da prole.

A futura viúva abortou o fado improvisado:

-- Vai ser melhor pra ele. Está sofrendo. Não leva mais vida de gente: vegeta. E, pra nós, vai ser melhor ainda. As despesas vão diminuir muito. Vocês não têm ideia do que gastamos com os remédios que o governo não dá, farmacêutico para aplicar injeção, inalação, emplasto Sabiá. O pai de vocês sempre foi trabalhador, mas também deu muitas despesas. Antes de ficar doente, gastava o tempo livre atirando conversa fora no bar do Carneiro, fumando sem descontinuar, tomando cerveja, jogando bilhar...

-- E comendo torresmo! – emendou a empregada de anos, também fã do gerúndio. Adorava torresmo. Estava sempre mascando...

-- A morte de Adelino – retomou a futura viúva, após fuzilar com os olhos a intrometida – nos dará uma folga financeira significativa. Pelas minhas contas, a gente consegue financiar outro carro pra família, além de reformar a casa.

A mais fingida da prole arregalou os olhos e tomou a palavra:

-- Quanto tempo mesmo, mamãe, o médico disse que ele tem de vida?

(OS - novembro de 2013)

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