ARQUIVO GOOGLE |
SONO SAGRADO
“Para mim, basta um dia.
Não mais que um dia.”
(Chico Buarque)
Cristônio
e seus amigos se reuniram à tarde, após o almoço, enquanto tomavam banho de sol
no pavilhão três. O grupo era formado por 14 pessoas. Mas na hora de eles se
evadirem pelo túnel, antes da sirene anunciar o fechamento das celas, outras
pessoas poderiam aparecer e engrossar o número de fugitivos. Zé Pança, que
apesar do nome era mais magro que espaguete japonês, disse que não poderia
impedir a presença de outros presos, embora todo o plano fosse feito para um
contingente de no máximo vinte pessoas. “Se não, vira bagunça e não dará
certo”, preveniu Pança.
Às
seis e meia da noite, meia hora antes de as portas das celas serem trancadas,
eles tiraram a lona que tapava a boca do túnel e iniciaram a fuga. Cristônio
foi o quarto a entrar no buraco, carregando apenas uma pequena trouxa com roupa
limpa para se trocar quando estivesse fora da penitenciária.
Deu
tudo tão certo que ele mal acreditava que estava novamente pisando numa rua.
Trocou de roupa rapidamente, ao lado de um muro, e foi para casa. No caminho
comprou um brinquedo para o filho.
Dormiu
num banco da rodoviária e pegou o ônibus durante a madrugada. Chegou em sua
casa às nove e pouco da manhã do dia seguinte. Sua esposa, embora conhecesse o
plano de fuga, não o esperava tão cedo. “Mas tinha de ser hoje”, murmurou
Cristônio para a mulher. Abraçou o filho de três anos, nascido quando ele já
estava na cadeia, e disse que depois do almoço iria lhe dar um presente. O
menino ficou radiante de alegria.
OTÁVIO NUNES É JORNALISTA |
Almoçaram
arroz, feijão e picadinho de batata com acém. Um lauto banquete para a família,
pois o dia era especial e Cristônio comeu mais que lima nova. Depois deu o
carrinho para o menino e ambos começaram a brincar no chão do barraco, até que
dormiram na terra batida.
Cristônio
foi acordado meia hora depois por dois policiais. Não teve tempo de esboçar
qualquer reação, já que suas mãos estavam algemadas. Um dos guardas ia abrir a
boca para falar algo, porém o preso rogou: “Levem-me em silêncio. Não acordem o
menino. Ele dorme feliz porque hoje é seu aniversário.”
TALVEZ VOCÊ GOSTE DE LER
TALVEZ VOCÊ GOSTE DE LER
OLHARES (II): Naquele olhar acuado, havia um canto de guerra.
Por Orlando Silveira, em "Rapidíssimas"
Nenhum comentário:
Postar um comentário