ILUSTRAÇÃO: CARLOSLATUFF |
A
REPÚBLICA NO CAMBURÃO
Sem
abandonar a esfera federal, a Lava Jato investe na regional.
Começa
a caça aos governadores e, na sequência, aos prefeitos
POR
RUY FABIANO
BLOG
DO NOBLAT
19/11/2016
| 01h25
A
política, como quase tudo na vida, nutre-se de símbolos. A prisão, no espaço de
menos de 24 horas, de dois ex-governadores do Rio de Janeiro – Garotinho e
Sérgio Cabral -, sob a mesma acusação, simboliza o onipresente drama nacional
da corrupção.
Nada
o expressa melhor que o passeio de ambos, de camburão, rumo às instalações do
presídio de Bangu 8, que um, Cabral, inaugurou, e o outro o teme por ter,
segundo disse, mandado para lá muitos inquilinos. Um reencontro problemático,
sem dúvida.
Mas
o símbolo aí não é negativo: o reencontro do Comando Vermelho com o Palácio
Guanabara indica que algo está mudando.
Outro
simbolismo, não desprezível, é o fato de as prisões terem ocorrido na sequência
imediata da Proclamação da República, que inaugurou, há 127 anos, na mesma
cidade do Rio de Janeiro, uma etapa nada republicana da história do país.
Fruto
de uma quartelada, a República no Brasil entrou pela porta dos fundos e, nas
palavras de um republicano de então, Aristides Lobo, “o povo a tudo assistiu
bestializado”. Não foi chamado a participar e levou semanas para entender o que
se passava.
É
possível que até hoje não tenha entendido.
“O
desafio dos parlamentares que têm contas a acertar
com
a Justiça é ficar no âmbito do STF, que até aqui
não
condenou ninguém da Lava Jato,
enquanto
Sérgio Moro já condenou cerca de 120 infratores.
É a
estatística a serviço da sobrevivência”
Voltemos
ao presente – e a outro cenário simbólico. As prisões se dão no exato momento
em que o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, constata que está
sem dinheiro até para pagar a seus servidores. Pior: quer que eles, os
servidores, resolvam o problema que ele, governo, criou. Que paguem a conta.
Propõe
redução de salários em 30% e pagamento dos que estão em atraso – em média,
quatro meses –, já com os devidos descontos, em sete singelas prestações. Nada
menos.
Estranhamente,
o povo reagiu, embora mais uma vez bestializado. Mas sua ira não altera o
essencial: não há dinheiro, e os governos não sabem fazê-lo; apenas gastam o
que arrecadam – e alguns governadores, muitos, põem uma parte no próprio bolso.
O
que ocorre no Rio não é fato isolado. Há mais estados falidos, vivendo o mesmo
drama, ao tempo em que a Lava Jato prossegue sua faxina judicial, enquadrando
gatunos. Só que agora, sem abandonar a esfera federal, investe na regional.
Começa a caça aos governadores e, na sequência, aos prefeitos.
A
semana política, que costuma inexistir quando pontuada por algum feriado,
ignorou o 15 de novembro. Foi das mais densas, não apenas pelas prisões
mencionadas, mas sobretudo pelas manobras parlamentares para esvaziar as dez
propostas de combate à corrupção encaminhadas pelos procuradores da Força
Tarefa da Lava Jato, que tramita na Câmara.
As
dez viraram 18, depois 12 e o objetivo é que virem nenhuma – e que a Lava Jato
acabe. Anistia para os crimes do passado – e não somente caixa dois – e um voto
de confiança para o futuro, eis a síntese do que pretendem.
Trabalha-se
por um desfecho como o da Operação Mãos Limpas, da Itália, que, entre 1992 e
1996, passou um trator na política daquele país, mas acabou esvaziada pela
aprovação de leis que abortaram as investigações e culminaram na ascensão de um
político, Sílvio Berlusconi, que simbolizava o oposto do que se buscava. Mas, naquela
época, não havia ainda internet e redes sociais, o que faz toda a diferença em
relação ao Brasil de agora.
É
nas redes sociais que as manobras estão sendo denunciadas, com uma repercussão
que assusta os parlamentares. A ausência dos partidos nas sessões da comissão
especial das dez medidas evidencia o temor com o aprofundamento das
investigações.
Sabe-se
que poucos escaparão das garras da Lava Jato e que há um camburão a aguardá-los
para um trajeto semelhante ao de Garotinho e Cabral. É a República no camburão.
RUY FABIANO É JORNALISTA E ESCRITOR |
No
Senado, deu-se outro esvaziamento. Por falta de quórum, a comissão que
examinaria a PEC do fim do foro privilegiado, de autoria do senador Álvaro
Dias, não se reuniu. Se aprovada, a PEC devolverá políticos e autoridades dos
três Poderes à vala comum dos cidadãos que os sustentam com impostos.
Numa
hipótese, um ministro do STF poderia ser julgado por um juiz de primeiro grau,
como Sérgio Moro. Há quem veja aí um exagero. O senador Ricardo Ferraço, por
exemplo, acha que o foro deve ser mantido pelo menos para os presidentes dos
três Poderes.
O
certo é que a farra do foro deve acabar, o que facilitará sem dúvida o
desenvolvimento de investigações como a Lava Jato. O desafio dos parlamentares
que têm contas a acertar com a Justiça é ficar no âmbito do STF, que até aqui
não condenou ninguém da Lava Jato, enquanto Sérgio Moro já condenou cerca de
120 infratores.
É
a estatística a serviço da sobrevivência.
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