domingo, 20 de novembro de 2016

DE QUEIXO CAÍDO

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Domingão de sol ardente, onze da manhã, lá vem Deolinda – a “Fabulosa”, primeiro e único símbolo sexual da Vila Invernada – subindo a ladeira, com um daqueles shortinhos descolados que fazem os velhos babarem com gosto. Ela parou na esquina, para trocar dois dedos de prosa com uma conhecida. E ali permaneceu por bom tempo, tempo suficiente para que a turma do bar do Carneiro largasse os tacos de bilhar sobre o pano verde, adiasse a próxima partida de dominó, deixasse o buraco para lá e se apinhasse na porta e calçada do estabelecimento – para admirar, o que, na opinião de Romualdo Bastos, o cruzadista do bairro, era a oitava maravilha do mundo moderno.

Mas, naquele domingão de sol ardente, a admiração de outrora cedeu espaço ao mais puro e vergonhoso despeito.

-- Ela já foi boa. Hoje, está decaída. Os peitos já não são mais os mesmos. Depois que fez regime, a bunda também despencou. Vejam lá: ela tem até varizes. Também deu para todo mundo. Queriam o quê?

Entusiasmados com a ousadia invejosa do Maneco, a solidariedade de botequim baixou na turma: “É isso, aí, mano velho. Falou e disse.”

O Velho Marinheiro, então, resolveu pôr ordem na casa:

-- Deolinda continua linda. Alguém aqui já saiu com ela? Se ela deu para todo mundo, não deu para ninguém daqui, porque não é besta. Aqui, só dá pobre desdentado, gente feia e burra. A Deolinda não é para o bico de vocês. Vão se catar.

Mal o Velho Marinheiro virou as costas, após deixar os falastrões de queixo caído, Maneco levantou a dúvida:

-- Será que esse velho safado comeu a Deolinda e ninguém sabe? Por que ela, do outro lado da rua, mandaria beijinhos para ele?

As discussões duraram o dia todo. Ali, não se falou mais de outro assunto.

(novembro 2014 – atualizada em novembro de 2016)

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