SABE A ÚLTIMA? KKK |
Ananias
volteou, volteou, antes de abordar o Velho Marinheiro:
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Não sei se devo, mas gostaria de lhe fazer uma pergunta.
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Desembuche. A vida é curta. Afinal, o que você quer saber?
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Ontem, no velório do pai da Deolinda, fiquei observando o senhor.
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Não tinha coisa melhor para fazer? Orasse, então, pela família do falecido.
Porque quem fica é quem precisa de reza, de força para driblar a saudade, se me
entende. O que fiz para chamar sua atenção?
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O senhor entrou mudo e saiu calado. Não disse uma palavra a Deolinda.
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Eu a abracei e beijei com respeito e emoção.
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Eu vi. Mas por que não lhe disse nada, medo de revelar a voz embargada?
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Não seja besta. Ananias, meu pai me ensinou...
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Desculpa, quem lhe ensinou?
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Meu pai. Ou você acha que eu, por ser velho, não tive pai, que minha mãe ficou
grávida por obra de um espírito nada santo? Tenha paciência.
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Perdão. Não ouvi direito. O que seu pai, afinal, lhe ensinou?
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Que a gente, quando não tem o que dizer, deve ficar em silêncio. Numa hora
dessas, ninguém tem nada que preste a falar, além de platitudes nem sempre
sinceras. Em geral, um olhar e um abraço dizem mais que uma penca de chavões.
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Também observei também que o senhor não esquentou cadeira.
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Verdade. Sabe por quê?
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Não.
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Ora, você é péssimo observador. Não sei como conseguiu ganhar a vida como
jornalista. Ananias: como sempre acontece nessas ocasiões, formam-se rodinhas
de desocupados que passam a contar piadas bestas e a falar mal dos outros. Por
isso, caio fora. Para não criar confusão no velório. Torço para que Deolinda
supere logo o trauma e recupere o frescor que a caracteriza, isso sim.
Ananias
sorriu sorriso maroto:
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O senhor, heim?
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Eu o quê? Vai me dizer que você torce pelo contrário, para que ela guarde luto
por anos? Seria uma tragédia para todos nós. Oremos.
POR ORLANDO SILVEIRA - NOVEMBRO 2016
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