terça-feira, 22 de novembro de 2016

A “TORCIDA” DO VELHO MARINHEIRO



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SABE A ÚLTIMA? KKK


Ananias volteou, volteou, antes de abordar o Velho Marinheiro:

-- Não sei se devo, mas gostaria de lhe fazer uma pergunta.

-- Desembuche. A vida é curta. Afinal, o que você quer saber?

-- Ontem, no velório do pai da Deolinda, fiquei observando o senhor.

-- Não tinha coisa melhor para fazer? Orasse, então, pela família do falecido. Porque quem fica é quem precisa de reza, de força para driblar a saudade, se me entende. O que fiz para chamar sua atenção?

-- O senhor entrou mudo e saiu calado. Não disse uma palavra a Deolinda.

-- Eu a abracei e beijei com respeito e emoção.

-- Eu vi. Mas por que não lhe disse nada, medo de revelar a voz embargada?

-- Não seja besta. Ananias, meu pai me ensinou...

-- Desculpa, quem lhe ensinou?

-- Meu pai. Ou você acha que eu, por ser velho, não tive pai, que minha mãe ficou grávida por obra de um espírito nada santo? Tenha paciência.

-- Perdão. Não ouvi direito. O que seu pai, afinal, lhe ensinou?

-- Que a gente, quando não tem o que dizer, deve ficar em silêncio. Numa hora dessas, ninguém tem nada que preste a falar, além de platitudes nem sempre sinceras. Em geral, um olhar e um abraço dizem mais que uma penca de chavões.

-- Também observei também que o senhor não esquentou cadeira.

-- Verdade. Sabe por quê?

-- Não.

-- Ora, você é péssimo observador. Não sei como conseguiu ganhar a vida como jornalista. Ananias: como sempre acontece nessas ocasiões, formam-se rodinhas de desocupados que passam a contar piadas bestas e a falar mal dos outros. Por isso, caio fora. Para não criar confusão no velório. Torço para que Deolinda supere logo o trauma e recupere o frescor que a caracteriza, isso sim.

Ananias sorriu sorriso maroto:

-- O senhor, heim?

-- Eu o quê? Vai me dizer que você torce pelo contrário, para que ela guarde luto por anos? Seria uma tragédia para todos nós. Oremos.


POR ORLANDO SILVEIRA - NOVEMBRO 2016

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