FOTO: DIVULGAÇÃO TV CULTURA |
TEMER
SOOU NA TV
COMO
REFÉM DA BANDA PODRE
Agora
que pode exercer em sua plenitude o papel de protagonista,
Temer
prefere morrer atropelado como um transeunte a entrar
na
briga do lado certo
POR
JOSIAS DE SOUZA
UOL
- 15/11/2016 | 05:05
A
Presidência da República oferece àquele que a ocupa uma tribuna vitaminada.
Algo que Theodore Roosevelt chamou de bully
pulpit (púlpito formidável). De um bom presidente, espera-se que aproveite
o palanque privilegiado para irradiar confiança e bons exemplos. Em entrevista
ao Roda Viva, da TV Cultura, exibida na noite passada, Michel Temer fez o
oposto. Soou como um refém da banda podre da política. Deixou no ar a impressão
de que seu apoio à Lava Jato é lorota. Alguma coisa nas palavras de Temer dizia
que seu governo pode não acabar bem.
Instado
a afirmar o que pensa sobre a proposta de anistiar os políticos do crime de
caixa dois, Temer subiu no muro. “Esta é uma decisão do Congresso.” E desceu do
lado errado: “Eu não posso interferir nisso.” Convidado a se manifestar sobre
projetos que saltam das gavetas em reação à Lava Jato, como a lei sobre abuso
de autoridade, prioridade do multiinvestigado Renan Calheiros, Temer disse não
acreditar que propostas do gênero atrapalhem as investigações.
Temer
perdeu uma oportunidade para se vacinar contra o contágio dos micróbios do
petrolão. Bastaria que aproveitasse o púlpito para brindar os telespectadores
com uma declaração assim: “Esclareço que o presidente da República também
participa do processo legislativo. A Constituição me faculta o poder do veto.
Assim, aviso aos apoiadores do governo: não aprovem nada que afronte a ética ou
comprometa o trabalho da Procuradoria e do Judiciário. Para que os brasileiros
durmam tranquilos, informo: se aprovarem, eu vetarei.”
Noutro
ponto da conversa, o entrevistado foi questionado sobre a situação de Lula, réu
em três ações penais. Ao discorrer sobre a hipótese de prisão do ex-presidente,
Temer insinuou que o melhor seria evitar. “O que espero, e acho que seria útil
ao país, é que, se houver acusações contra o ex-presidente Lula, que elas sejam
processadas com naturalidade. Aí você me pergunta: ‘Se Lula for preso causa
problema para o país?’ Acho que causa. Haverá movimentos sociais. E toda vez
que você tem um movimento de contestação a uma decisão do Judiciário, pode
criar uma instabilidade.” Ai, ai, ai…
Sempre
que uma determinada decisão judicial irrita a cúpula do crime organizado, os
chefões da bandidagem ordenam, de dentro das cadeias, que seus asseclas
promovam manifestações como queima de ônibus e ataques a policiais. Nem por
isso o Estado tem o direito de acovardar-se. Mal comparando, o caso de Lula
segue a mesma lógica. O que deve nortear a sentença é o conteúdo dos autos.
Se
o pajé do PT cometeu crimes, deve ser condenado. Dependendo da dosagem da pena,
sua hospedagem compulsória no xadrez estará condicionada apenas à confirmação
da sentença num julgamento de segunda instância. A plateia que retardou o sono
para assistir à entrevista merecia ouvir do constitucionalista Michel Temer que
não há movimento social ou instabilidade política que justifique o aviltamento
do princípio segundo o qual todos são iguais perante a lei.
No
tempo em que era o segundo de Dilma Rousseff, Temer se queixava de ser tratado
como “vice decorativo”. Era como se a ex-rainha do PT o considerasse como um
figurante — do tipo que aparece entre os mendigos, feirantes e o enorme elenco
de etcéteras mencionados no final da relação dos papeis numa peça
shakespeariana. Mesmo quando foi guindado à condição de articulador político do
governo, Temer não deixou de ser o ‘etc.’ do enredo. Compunha o fundo contra o
qual se cumpria o destina trágico da rainha.
Agora
que pode exercer em sua plenitude o papel de protagonista, Temer prefere morrer
atropelado como um transeunte a entrar na briga do lado certo. Os supostos
protagonistas de 2018 o tratam como uma espécie de interlúdio. Sua missão seria
divertir o público enquanto o elenco principal troca de roupa. Mas Temer acha
que tem potencial para ser a melhor coisa do espetáculo: “Qual é meu sonho? O
povo olhar pra mim e dizer: ‘Esse sujeito aí colocou o Brasil nos trilhos. Não
transformou na segunda economia do mundo, mas colocou nos trilhos’.”
A
palavra do presidente é o seu atestado. Ou a plateia confia no que Temer diz ou
se desespera. A suspeita de que as boas intenções de Temer não passam de um
disfarce de alguém que não tem condições de se dissociar da banda podre leva ao
ceticismo terminal. No desespero, um pedaço minoritário da sociedade acreditou
que o país estivesse de volta aos trilhos. Houve mesmo quem enxergasse uma luz
no fim do túnel. Mas entrevistas como a da noite passada revelam que talvez
seja a luz da locomotiva da Lava Jato vindo na contramão.
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