ARQUIVO GOOGLE |
RESILIÊNCIA,
A PALAVRA DA MODA
Se
ela ainda não entrou em sua vida, vai entrar.
Tem
a ver com superação – outra palavra na moda
POR WALCYR
CARRASCO
EPOCA.GLOBO.COM
22/11/2016
| 08h00
De
tempos em tempos uma palavra ou expressão entra em moda. Todo mundo fala sem
saber exatamente o que é. Quando eu tinha meus 20 anos e estudava História na
Universidade de São Paulo, a expressão de ordem era “má consciência”. Significava
genericamente a consciência pesada do burguês diante de seus lucros, por
explorar o proletariado. Estendia-se a todos que, de alguma maneira, não se
alinhassem com a crítica esquerdista a qualquer coisa neste mundo. Demorei um
pouco para perceber que os ricos não tinham má consciência, a não ser alguns
herdeiros desajustados. A maior parte prefere desfrutar os lucros em iates,
casas de praia luxuosas, restaurantes, roupas, carros a refletir sobre a
exploração do proletariado. A expressão deixou de ser usada. Nas últimas
décadas, termos psicológicos entraram para o cotidiano. As pessoas usam a
psicologia sem a menor noção do que estão falando. Você certamente já ouviu
alguém dizer:
–
Ele fez isso por ser traumatizado com o pai.
Pobre
Freud, deve se retorcer na cova! Peça para explicar o que é traumatizado.
Gagueira total. Mas a palavra trauma entrou para o vocabulário como quem fala
de alface, abóbora, cenoura. Há menos tempo, a palavra foi psicótico. Leigos
não sabem bem o que é psicopatia. Mas ouviram falar que, em cada dez, um ser
humano é psicopata. Seu vizinho, talvez. Mais: ouviram também que nem todos os
psicopatas são assassinos, mas têm uma lacuna na emoção. São capazes de usar
sua generosidade para se aproveitar de você. Tornou-se comum dizer:
–
Acho que ele é meio psicopata.
Meio?
A
palavra da moda é resiliência. Primeiro pensei que era xingamento. Depois, que
talvez fosse algo bom. Enfim, fui ao Google. Na Wikipédia, resiliência é a
capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à
pressão de situações adversas, sem entrar em surtos psicológicos (no sentido
primário, é a capacidade de um material se deformar sob pressão e depois voltar
à forma original, em vez de ficar deformado, quebrar-se ou romper-se). Ou seja,
é algo bom.
Descobri
que sou o próprio exemplo da resiliência. Em situações de estresse, desligo a
reação emocional. Fico calmo, calmíssimo. Certa vez, um amigo desmaiou no
corredor de um hotel na Turquia, tarde da noite. Tranquilo, fui pegar a chave
do meu quarto, aberto, para poder voltar. Depois achei a chave dele em seu
bolso. Abri a porta de seu quarto. Consegui, não sei ainda como (resiliência
muscular?), levá-lo até a cama. Havia se cortado no supercílio. Lavei seu
rosto. Ao acordá-lo, conversei. Faltava um dia para voltar. Seria melhor um
hospital turco ou esperar a volta ao Brasil? Ele explicou: era uma doença não
diagnosticada. Ele desmaia, de repente. Esperamos a volta. A doença não foi
diagnosticada até hoje, mas ele está bem. Em nenhum momento senti a menor
tensão. Isso é resiliência! Ainda bem, porque antes me achava psicopata. Uma
palavra pode aliviar a vida de alguém!
A origem da palavra é latina. Vem do verbo resilire, que significa ricochetear,
pular de volta. Em inglês, acrescenta-se o significado de “capacidade de
recuperação após um golpe”. Tornou-se o diamante das novas técnicas
motivacionais e psicológicas (o diamante é duro, e não resiliente, porque não
se deforma, ou seja, não “aprende” com o golpe). Tornar alguém mais resiliente
é fazê-lo mais apto às dificuldades da vida. Os conceitos já faziam parte do
cotidiano da terapia. A palavra resiliência foi traduzida apressadamente. Antes
bombou nos países de língua inglesa. Lá, era um termo comum. Aqui, tornou-se
novidade.
E
a última é agregar algo. Um amigo psicólogo disse:
–
Não quero trabalhar só a resiliência. Ao superar a situação, a pessoa avança.
Aquilo que poderia ser uma experiência desagradável torna-se um fator positivo
de crescimento.
Seria
uma espécie de resiliência plus?
Escrevi
este texto porque queria saber o que é resiliência. Descobri que é uma espécie de guarda-chuva
para vários conceitos. Resiliência pessoal, empresarial... tornou-se uma
panaceia no campo da superação (outra palavra na moda).
Talvez
a palavra “resiliência” ainda não tenha chegado ao seu cotidiano. Chegará. Moda
é moda. Mas não faça questão de tornar-se um expert. As pessoas gostam de usar
palavras inteligentes, mesmo sem saber bem o que é. Tranquilo. Palavras e
expressões supostamente sábias são como cor de esmalte. Saem de moda. Depois vem
outra.
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WALCYR CARRASCO (FOTO: O GLOBO) |
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FOTO: ARQUIVO GOOGLE |
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Isaura se pergunta como alguém naquela condição pode estar sempre sorrindo, acreditar no futuro, agradecer a Deus pelo quase nada que tem? Isaura acha que há coisas que nem Freud explica. Por Orlando Silveira, em "Que Coisa, Heim?"
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