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COMIDA
TRANQUEIRA: DESCUBRA A SUA
O
restaurante francês serve dois fiapos de peixe.
Ganha
atenções, é elogiado. Mas deixa a gente com fome
POR WALCYR
CARRASCO
ÉPOCA.GLOBO.COM
Atualizado
27/10/2016 | 11h44
Adoro
sanduíche de mortadela. Desde criança. Aliás, nem entendo por que a mortadela
não merece um lugar especial junto aos grandes tops da culinária. Nunca vi
alguém servir carpaccio de mortadela,
por exemplo. Mas já me entucharam carpaccio
de berinjela por preço de caviar. Tem graça berinjela crua? Em São Paulo, no
Mercadão, há um sanduíche de mortadela que até o chef e crítico de culinária
americano Anthony Bourdain, em passagem pelo Brasil, elogiou. O segredo: pão
francês com muuuuuita mortadela. A rede de padarias Dona Deôla incorporou: faz
o sanduíche igual. Outro dia conversava com um recém-conhecido com quem
pretendo fazer um trabalho. No momento em que ele confessou que havia almoçado
um sanduíche de mortadela de pé, tornamo-nos íntimos. Já fui à casa do Faustão,
que oferece uma pizza aos amigos de quando em quando. Nas entradas, mortadela
italiana. Dá vontade de levar para casa!
Há
certo preconceito contra a comida tranqueira. Qualquer restaurante francês
inaugurado ganha atenções, avaliações, é elogiado. Mesmo que sirva um
menu-degustação com dois fiapos de peixe grelhado, depois uma nesga de carne
com um pingo de molho. Deixa a gente com fome. Mas come-se com cara de chique. Garanto:
feijoada de bar costuma ser ótima. Sim, daquele barzinho da esquina. Na
cozinha, há alguém que faz a mesma feijoada todos os sábados há uns 15 anos.
Não vai fazer bem? Pastel de feira também. Tem coisa melhor que pastel frito e
gorduroso? Justamente em cima desse exemplo estabeleci uma tese: colesterol,
gordura trans e carboidratos é que dão sabor! Um grande amigo ama pastel de ovo
frito, que só existe no mercadão de Marília, interior de São Paulo. Como fui
criado lá e ele nasceu na mesma cidade, até hoje, quando vamos, devoramos essa
bomba calórica. É só comer e fugir da balança por uns três dias. Ou meses.
Já
publiquei várias fotos no meu Instagram comendo coxinha de beira de estrada.
Sou maluco por coxinhas. Também gosto daquelas feitas por donas de casa de
bairro, especializadas em festas de criança. Menorzinhas, uma delícia. Assim
como empadinhas. Prefiro as de palmito. Podem estar frias e a massa pode se
espalhar sobre meu suéter. Só perdem para os sanduíches tradicionais.
Calabresa, cheese-salada, bauru, americano. Outro dia, perguntei em um posto no
trajeto Rio-São Paulo: qual é o mais vendido?
–
Americano – respondeu o chapeiro.
Faz
sentido: tem ovo, queijo, presunto. E alface, para aliviar a consciência. Adoro
um americano. Mas o de calabresa na chapa é imbatível.
O
bom dessas maravilhas é que não é preciso ir a um restaurante caríssimo. Estão
aí, em qualquer canto. Há bares e lanchonetes melhores e piores. É só descobrir
o seu. Um sanduíche equivale a uma refeição. Ainda mais seguido de uma coxinha
bem frita. Digo o mesmo sobre o cachorro-quente de rua. Sim, os simples, com
salsicha e mostarda. Já encontrei lugares onde se recheava o cachorro-quente
com purê de batata. Ficava difícil de caber na boca. Mas um cachorro-quente na
hora da fome é melhor que um prato elegante. Com a vantagem de que posso chupar
os dedos para aproveitar os últimos restinhos de mostarda.
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Bem...
eu sei que vivo reclamando da minha barriga. E que o regime é algo constante na
minha vida. Gula e dieta formam minha dualidade, que fazer? Certa vez, um amigo
médico me indicou um especialista em regimes. Sentei-me diante do sábio, à
espera de um milagre. O médico, seco como um bacalhau, como devem ser os
doutores que emagrecem, explicou:
–
Não dou importância à comida. Para mim, um peixe no micro-ondas por alguns
minutos já está bom.
Fugi
horrorizado. Se o homem era capaz de sobreviver com um peixe no micro, jamais
me compreenderia! Seu cardápio certamente me levaria a uma profunda depressão.
Comi uma feijoada na primeira esquina e ainda mordi os torresmos. Tem coisa
melhor que torresmo?
Há
em São Paulo uma lanchonete famosa pelo sanduíche de pernil, o Bar Estadão.
Fica aberta a noite toda e o pernil é fresquinho. Baratinho. Pelo país afora,
há pratos que despertam o mesmo prazer e idêntico peso de consciência. O
acarajé fritinho na hora da Bahia. O tacacá em Belém, no Pará, com jambu,
tucupi e camarão seco.
Talvez
seja essa a maravilhosa culinária brasileira, tão pouco respeitada. Alguns
chefs como Alex Atala se interessam por ela. Mas ainda é na rua, baratinha, que
se encontra a boa comida tranqueira. Engorda? Depois eu dou um jeito. Pode
crer. Comida tranqueira é gourmet.
WALCYR
CARRASCO é jornalista, colunista da
revista Época, autor de livros, peças teatrais e novelas de televisão
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Que a caça aos gorduchos passou dos limites, nem um magro
intelectualmente honesto pode negar.
Por Orlando Silveira, em "Gorduchos: a culpa é nossa"
TEXTO BOM
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