Metrô de Nova York, 1963 (Foto: Jacob Harrisn / AP) |
PERDEMOS
TODOS
Médico
acha que é Deus. Jornalista tem certeza
– e,
aqui, mora o perigo.O descolamento da mídia
da
realidade, seja por cegueira deliberada ou acidental,
seja
por partidarismo ou qualquer outro interesse inconfessável,
não
é um fenômeno “Made in The USA”
POR
RICARDO NOBLAT
NOBLAT.OGLOBO.GLOBO.COM
14/11/2016
- 03h00
Na
noite da última terça-feira, antes do início da apuração dos votos, o “The New
York Times”, o jornal de maior prestígio no mundo, conferia a Hillary Clinton
90% de chances de se eleger presidente dos Estados Unidos.
À
primeira hora do dia seguinte, as chances dela eram superiores a 60%. Às três
horas, segundo o jornal, as chances de Donald Trump de derrotar Hillary batiam
a casa dos 90%.
Àquela
altura, o preço futuro do dólar em Nova York desabava, assim como o valor das
ações negociadas nas bolsas asiáticas. A Globo News já dera como certa a
eleição de Trump.
Ainda
se passariam mais de duas horas para que a primeira agência de notícias
americana, a AP, cravasse o que era fato conhecido aqui e no resto do mundo
insone e em sobressalto.
Foi
por prudência, cautela, medo de errar que a mídia americana demorou tanto para
admitir a vitória de Trump? Não. Foi por resistir a acreditar no que via.
Não
brigar com a notícia é uma das lições ensinadas nos bancos escolares a aspirantes
a jornalista. Sua Excelência, O Fato, comporta muitas explicações. Ignorá-lo é
suicídio. Só O Fato Novo revoga o fato consumado.
A
mídia americana, mas não só, assumiu como sua principal tarefa derrotar o
misógino, sexista, racista, sonegador de impostos e temerário Trump.
Compreensível
que procedesse assim por meio de editoriais e de reportagens de investigação
sobre personagem tão perigoso para o futuro do país e do planeta. Um homem
asqueroso pelo que diz, fez e fará.
Ela,
porém, não se limitou a isso. Elegeu Trump como alvo da mais gigantesca
campanha de desconstrução de imagem jamais sofrida por um político em qualquer
parte. E cerrou fileiras com a adversária dele.
Foi
além: protegeu Hillary o quanto pôde. E fechou os olhos aos sinais que poderiam
sugerir um fecho diverso para a eleição que desejava ganhar a ferro e fogo.
Feriu
talvez de morte axiomas que a sustentam e legitimam, tais como a busca de
isenção e equilíbrio, o principal pilar da sua credibilidade, e a oferta de
visões conflitantes.
Incorreu
no erro primário, elementar, de confundir o que queria que acontecesse com o
que poderia acontecer. Resultado: colheu um desastre de consequências
retumbantes, talvez irreparáveis.
A
vitória de Trump foi só dele e dos que acreditaram em sua palavra – entre os
quais as vítimas da globalização da economia.
Hábil
manipulador de emoções, capaz de mentir a rodo, de mexer com os instintos mais
primitivos dos eleitores e de prometer o irrealizável, Trump derrotou as
pesquisas, o “establishment”, a “inteligência” e os artistas mais famosos.
Derrotou a si mesmo.
A
derrota da mídia, infelizmente, não foi só dela. Foi também dos que carecem de
informações confiáveis para tomar decisões, orientar suas vidas ou apenas
sonhar.
Doravante,
como essa gente reagirá ao que lhe for oferecido por vozes tidas como
autorizadas a antecipar o que está por vir e em apontar o que existe de melhor?
Médico
acha que é Deus. Jornalista tem certeza – e, aqui, mora o perigo.
O
descolamento da mídia da realidade, seja por cegueira deliberada ou acidental,
seja por partidarismo ou qualquer outro interesse inconfessável, não é um
fenômeno “Made in The USA”.
Tem
a ver com a crise universal do jornalismo, abalado pelo surgimento de novas
mídias sem compromisso com a verdade. E só faz mal à democracia e à construção
de um mundo menos desigual.
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