CABRAL & "NELMA" |
SEGREDOS
DE NELMA
Foi
a pessoa mais influente no governo do Rio nos últimos anos.
No
Palácio Guanabara nunca houve uma mulher clandestina
e
poderosa como ela
POR
JOSÉ CASADO
PUBLICADO
EM O GLOBO
Atendia
no 21-9972-33315. Raríssimos sabiam quem era. Atravessou a última década no
circuito Leblon-Laranjeiras, Zona Sul do Rio. Criou uma rotina de
clandestinidade no Palácio Guanabara e uma rota de fuga para o Galeão, que
usava para escapadas privadas a Paris, na companhia de amigos-patrocinadores.
Nelma,
Nelma de Sá Saraca — era a identidade por trás daquele número telefônico. Foi a
pessoa mais influente no Rio nos últimos anos, com poder real sobre as decisões
do governo estadual. Usou e abusou da capacidade de influir na política e nos
negócios, desde janeiro de 2007, quando o governador Sérgio Cabral assinou seus
primeiros decretos.
No
fim de tarde de uma quarta-feira excepcionalmente seca da primavera de 2007,
por exemplo, recebeu no Guanabara os executivos Rogério Nora e Alberto
Quintaes, da construtura Andrade Gutierrez.
Era
quarta-feira, 4 de outubro. Estava em jogo um bilionário pacote de obras.
Acertaram “compromissos” — expressão usada na reunião para definir dinheiro,
propina, gratificação pelo favorecimento à empresa nas contratações.
O
executivo Nora designou o adjunto Quintaes para “operacionalizar” os
pagamentos. Nelma, com o poder da intimidade com o governador, indicou Wilson
Carlos Carvalho, secretário de governo, como representante de Cabral. Mais
tarde, ele introduziu o subsecretário de Obras, Hudson Braga, que exigiu
adicional de 1% a mais, sua “taxa de oxigênio”.
Os
negócios fluíram. O secretário Carvalho transferiu a cobrança a Carlos Emanuel
Miranda, dono de sólidos laços com o governador: era seu mais antigo sócio,
contador dele e da família, e casado com uma prima de Cabral. Em sete anos de
governo, amealhou pequena fortuna, R$ 13 milhões, na coleta de propina em
apenas duas empreiteiras, Andrade e Carioca.
No
começo deste ano, quando aprofundaram a análise da súbita e suspeita riqueza do
ex-governador, procuradores acionaram o Sistema de Investigação de Registros
Telefônicos e Telemáticos, instalado na procuradoria-geral, em Brasília.
Conhecido como Sittel, esse mecanismo permite aos investigadores receber,
processar e cruzar registros telefônicos e telemáticos extraídos, via
WebService, diretamente dos computadores das empresas de telecomunicações de
todo o país.
Logo
perceberam o mistério do telefone 21-9972-33315. Em amostragem, identificaram
507 chamadas dos secretários, do coletor de propinas e de executivos das duas
empreiteiras para aquele número. Notaram, também, intenso fluxo de mensagens
eletrônicas criptografadas por programas (Telegram, Wickr, Confide e Wire) que permitem
a destruição programada do conteúdo.
O
enigma começou a ser desvendado numa consulta à concessionária. O telefone
estava cadastrado em nome de Nelma de Sá Saraca. Porém, os diálogos gravados
liquidaram as dúvidas: a linha era usada exclusivamente pelo governador. Foi a
forma que ele escolheu para ocultar a identidade nas comunicações sobre
pagamentos dos “compromissos”. Nelma, na vida real, era Cabral na
clandestinidade. Nunca houve no Palácio Guanabara uma mulher clandestina e
poderosa como Nelma. Estão morando juntos em Bangu 8.
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