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A LÍNGUA DOS MIL VERBOS
Publicado em 27/03/2016
A
língua é feita de palavras. Língua e palavra têm um denominador comum. São
femininas e, por isso, plenas de poder. Como as bruxas medievais e as
feiticeiras modernas, fazem e acontecem. Montadas na vassoura, voam, criam,
recriam. E conjugam todos os verbos. O blogue lembra seis.
Conversar é
um deles. A língua adora bater papo. E, no vai e vem de histórias, incorpora
palavras de outros idiomas. É o caso de Páscoa. Hebraica, a trissílaba quer
dizer passagem. É tão antiga quanto Adão e Eva. Bem antes de Moisés vir ao
mundo, os pastores nômades comemoravam a Páscoa. Cantavam e dançavam pela
despedida do inverno e a chegada da primavera, quando a neve se ia, os campos
se cobriam de pastagens e os alimentos abundavam. Mais tarde, os judeus
começaram a festejar a Páscoa. Lembravam, com sacrifícios, a saída do povo de
Israel do Egito. Era a passagem da escravidão para a liberdade. Em 325, os
cristãos instituíram a Páscoa. Com ela, exaltam a ressurreição de Cristo — a
passagem da morte para a vida.
Dois
Brincar é
outro verbo. A língua subverte sentidos. O autor diz uma coisa, o ouvinte
entende outra. Vale lembrar o caso daquele chefe que todos os dias filava
cigarro do empregado. Ora, com o preço do maço na hora da morte, o subordinado
puxou esta conversa:
—
O senhor fuma muito, não?
—
É. Fumo, mas não trago.
—
Pois devia trazer.
Três
Economizar tem
lugar cativo no léxico. A língua detesta desperdício. Por isso odeia
redundância. Pleonasmo? Nem pensar. Conhece a história de Benedito Valadares? O
então governador de Minas foi ao Rio visitar Getúlio Vargas. Antes, passou pela
sala de Gustavo Capanema. Ao vê-lo de óculos escuros, o ministro da Educação
lhe perguntou:
—
O que é isso, Benedito?
—
É conjuntivite nos olhos.
Getúlio
repetiu a pergunta:
—
O que é isso, Benedito?
—
Os médicos lá de Minas disseram que é conjuntivite nos olhos. Mas o Capanema,
que pensa que sabe mais que os médicos, disse que é pleonasmo.
Quatro
Renovar é
obsessão. A língua adora mudar. Com razão, né? Já imaginou usar o mesmo vestido
dia após dia, mês após mês, ano após ano? Cansa. Com a língua ocorre o mesmo.
Expressões surpreendem quando nascem. Depois, de tanto ser repetidas, perdem o
frescor. Quem já não disse “não ficará pedra sobre pedra”, “nem só de pão vive
o homem”, “este mundo é um vale de lágrimas”, “a carne é fraca”? Pois saibam.
Esses chavões são verdades enunciadas no Novo Testamento. Cristo é testemunha.
Cinco
Vingar
permanece em cartaz. A língua não leva desaforo pra casa. Mal colocada, revida.
O negócio de um cabeleireiro ia de vento em popa. Mas ele queria aumentar a
freguesia. Contratou um marqueteiro, pintou e exibiu esta placa: “Corto cabelo
e pinto”. Os fregueses sumiram. As freguesas, solidárias, também. Alertado, ele
trocou a ordem: “Pinto e corto cabelo”. O negócio prosperou.
Seis
Criar,
procriar, dar à luz filhos e filhas é mandamento. Manuel Bandeira tinha uma
amiga que não gostava do próprio nome — Teodora. Pra agradá-la, ele a
presenteou com o poema “Neologismo”:
Falo
pouco
Beijo
menos ainda
Mas
invento palavras.
Inventei
o verbo teadorar.
Intransitivo.
Teadoro,
Teodora.
Dad
Squarisi fez curso de letras na UnB.
Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura.
É escritora, editora de Opinião do Correio Braziliense,
comentarista da TV Brasília.
Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura.
É escritora, editora de Opinião do Correio Braziliense,
comentarista da TV Brasília.
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