Foto: Jorge William / Agência O Globo |
POLÍCIA
VERSUS POLÍTICA
O
que há em comum entre Lula e Cunha é uma conversa
agendada
com o juiz Sérgio Moro,
em
que o veículo disponível é um camburão
POR
RUY FABIANO
Blog
do Noblat
22/10/2016
- 01h25
A
política brasileira continua refém da polícia. A prisão de Eduardo Cunha
reabriu o leque de especulações punitivas, que vão de Lula a Michel Temer. A
caixa preta de Cunha é a porta de entrada da Lava Jato no PMDB, sucessor e
velho parceiro do PT, no poder e no delito – sobretudo no delito. Mas não é só
Cunha, claro.
Há
múltiplas delações premiadas em curso, de empresários, doleiros e operadores,
algumas já concluídas, acrescentando novos dados e personagens aos crimes de
rapina, perpetrados ao longo dos últimos 13 anos e meio contra o Estado
brasileiro.
Não
se sabe o que daí ainda virá, mas sabe-se que a Lava Jato está longe de seu
fim, e recentemente obteve prorrogação de um ano em suas investigações. Mas o
que se sabe já convulsiona a República.
Há,
entre os infratores, além da cúpula do governo anterior, personagens que, nesse
período, figuraram na oposição (tucanos, inclusive), e ainda os que estavam e
continuam na situação – isto é, gente do PMDB. Tudo isso, claro, gera
instabilidade política, com reflexos na economia. Quem quer investir num campo minado?
A
hipótese de Michel Temer vir a ser atingido direta ou indiretamente por essas
revelações não é remota. Já teve de demitir ministros e é possível que haja
outros na fila. Como se não bastasse, há o processo contra a chapa eleitoral em
que figurou ao lado de Dilma. O ministro Luiz Fux, do STF, considerou possível
que, no processo em curso no TSE, Temer possa se dissociar de Dilma.
A
jurisprudência, no entanto, vai em sentido contrário, o que daria ao fatiamento
das campanhas um selo de casuísmo, enfraquecendo ainda mais a autoridade moral
do atual presidente, que ainda corteja sem êxito a simpatia da opinião pública.
O
legado econômico do PT é devastador. A PEC 241, que estabelece o teto de gastos
públicos, nada mais é que o retorno à lógica contábil, em que só se gasta o que
se tem. E é um desafio ao gestor, que terá de estabelecer o que de fato é
prioridade.
"Não basta, porém, dar
racionalidade às contas. É preciso que
o governo sinalize com alguma
estabilidade. E é impossível fazê-lo
quando abriga ainda gente sob suspeita"
Se,
por exemplo, estivesse em vigor no início do governo Dilma, o Brasil não teria
promovido nem a Copa do Mundo, nem as Olimpíadas, a menos que as considerasse
(como as considerou) mais prioritárias que educação, saúde, segurança,
programas sociais, obviamente prejudicados por gastos adicionais nada modestos.
O
resultado aí está: R$ 170 bilhões de déficit no orçamento do próximo ano, 12
milhões de desempregados e milhares de empresas fechadas. Não basta, porém, dar
racionalidade às contas. É preciso que o governo sinalize com alguma
estabilidade. E é impossível fazê-lo quando abriga ainda gente sob suspeita,
alguns já citados nas investigações policiais. O país quer tanto a estabilidade
quanto o saneamento moral de sua classe dirigente.
No
momento, porém, essas coisas colidem - e não há como excluir uma em favor da
outra. A prisão de Cunha não terá resultados imediatos. É óbvio que ele irá delatar,
já que não pretende ver mulher e filha presas, nem passar o resto da vida na
prisão.
Mas
a delação é precedida de negociações, em que o delator tem de provar a
utilidade do que delatará. Cunha chega com a maior parte de sua história já
conhecida. Mas a parte que resta, e que envolve nomes graduados, pode fazer a
diferença.
RUY FABIANO É JORNALISTA E ESCRITOR |
Resta
saber o que ele está disposto a contar. E aí a Praça dos Três Poderes balança.
Ele é não apenas um arquétipo do político brasileiro contemporâneo, mas alguém
que se tornou íntimo das altas esferas do poder, desde os tempos de Collor de
Mello.
Lidou
com a esquerda, a direita, o subsolo e a sobreloja. Foi sempre um personagem de
segundo escalão, alçado ao primeiro exatamente por quem mais hoje o critica: o
PT.
Sua
prisão foi vista como preâmbulo à de Lula, o que não é necessariamente verdade.
A situação de Lula envolve outro roteiro, cujo timing só a Força Tarefa
conhece, mas cujo conteúdo foi antecipado na célebre entrevista dos
procuradores, há um mês.
Lula
foi considerado chefe da organização criminosa que promoveu o assalto à
Petrobras e a outras estatais em mais de duas décadas de exercício do poder.
Cunha é peixe pequeno diante disso. O que têm em comum é uma conversa agendada
com o juiz Sérgio Moro, em que o veículo disponível é um camburão. Cunha já
foi.
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