Foto: Ueslei Marcelino / Reuters |
UM HOMEM IMPREVISÍVEL
O primeiro exercício é saber se o ex-todo-poderoso presidente
da Câmara está mais para José Dirceu ou para Nestor Serveró
POR MURILLO DE ARAGÃO (*)
Blog do Noblat
20/10/2016 - 02h50
Nunca se especulou tanto a respeito de assunto tão esperado. Eduardo
Cunha preso tornou-se imediatamente um fato que excita a imaginação política,
naturalmente fértil: fará ou não delação? Com denúncias contundentes? Mesmo sem
provas cabais? Seu livro vai ser publicado? Poupará ex-aliados? Quem serão, de
fato, seus desafetos?
Quem quiser as respostas para essa lista interminável de perguntas,
na ausência de fatos terá que pensar como um agente policial de série de TV das
11 da noite. Na primeira hora dos acontecimentos, a mídia não ajudou muito a
decifrar o enigma.
O primeiro exercício, então, é saber se o ex-todo-poderoso
presidente da Câmara está mais para José Dirceu, um político profissional, ou
para Nestor Serveró, um operador de estatal, sem grandes sofisticações.
Na primeira hipótese, sua tendência seria jogar com os
investigadores, categoria que também aprecia esse esporte, a propósito mais
difícil que o xadrez; na segunda possibilidade, deve-se esperar um mero
comportamento de alguém acusado de quadrilheiro. Gente acostumada a contas
simples de chegar, sem maiores preocupações com as vítimas, nem expectativas de
grandes desdobramentos.
Em qualquer uma delas, contudo, quem conhece seu estilo espera um
comportamento Marcelo Odebrecht – demorado, desafiador. Combina mais com o
perfil psicológico do homem que dominou Brasília nos últimos dez anos, e só
perdeu a aposta por um erro fatal de vaidade. Por ter ido a uma CPI sem ser
chamado, portanto, de graça e despreparado para enfrentar suspeitas
embaraçosas.
Está provado que as marcas registradas de Cunha são
imprevisibilidade e obstinação. Dele pode-se esperar tudo. Eis o dado mais
assustador no repertório do homem-bomba do momento. Mas antes de tudo, ele só
poderá delatar crimes a respeito dos quais tenha provas.
Como poderia tê-las se, em geral, sua especialidade era justamente
agir sem deixar rastros? Versátil, com domínio de todas as posições, forte e
ágil, conduzia e arremessava. Um ala, hoje fora da competição. Inevitável dublê
de Roberto Jefferson, delator de Dirceu, ambos feriram de morte o PT, sendo que
o primeiro entregou o chefe, mas não o funcionamento da engrenagem, que mais
tarde se replicaria no petrolão.
A rapidez da ação do juiz Sérgio Moro, ao despachar em semanas um
caso que dormiu longo período no Supremo, tirou o sono da população mais
ilustre da Capital do país. Muitos não conseguiram dormir, atormentados por
outra sorte de perguntas formuladas pela insônia: estarei na lista? Conspiram
contra mim? Meu caso será simples? Serei acordado bem cedo pela Federal?
Enquanto isso, em Curitiba, Cunha monta sua narrativa, mas não pode
brigar com todo mundo. Político é o ser mais realista que existe. Quase sempre
já está bem na frente enquanto os mortais ainda tentam entender o que se passa.
Depois de sua prisão, será inevitável a pressão para enfrentar a pauta Lula.
(*) MURILLO DE ARAGÃO É CIENTISTA POLÍTICO
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