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REBELDES TATEANDO
EM BUSCA DE UMA CAUSA
Como as organizações comunistas ainda mantêm
sua influência no meio estudantil?
POR BOLIVAR LAMOUNIER (*)
ESTADÃO – 30/10/2016
O sangue do adolescente esfaqueado em Curitiba na última
segunda-feira já seria motivo mais que suficiente para tentarmos entender
melhor o movimento de ocupação de escolas deflagrado por estudantes
secundaristas, apoiados, em alguns casos, por docentes e universitários. Mas a
amplitude do movimento suscita questões importantes sobre a presente situação
brasileira.
O objetivo declarado, bem o sabemos, é protestar contra a reforma do
ensino médio proposta pelo governo Temer. A reforma é uma tentativa de modernizar
o currículo, tornando-o mais flexível. Pretende reduzir o número de matérias
obrigatórias a fim de aumentar a concentração em Português, Inglês e
Matemática. Isso é bom ou ruim? É óbvio que essa pergunta interessa a todos os
cidadãos brasileiros, a todas as comunidades de que se compõe a nossa
sociedade, não apenas às comunidades diretamente envolvidas no processo
educacional.
A primeira questão a considerar é, pois, por que dezenas de milhares
de estudantes e professores optaram por uma tática violenta (ocupação é
violência), descartando liminarmente o diálogo com as autoridades do governo,
com os especialistas que trabalharam no projeto da reforma e com outras
comunidades potencialmente interessadas. Por que uma tática que os isola,
quando só teriam a ganhar ampliando o alcance de sua manifestação? Por que não
uma série bem organizada de debates, pacífica e ordeira, tecnologia que nossa
sociedade, felizmente, domina há tanto tempo?
Sabemos que o comportamento de um grupo social numeroso nunca se deve
a uma causa única. Há sempre uma conjunção de motivos. Na reflexão a seguir,
abordarei três hipóteses, em grau crescente de plausibilidade, designadas como
civismo educacional, ativismo romântico e politização de esquerda.
A hipótese do civismo educacional já foi parcialmente suscitada.
Debater a reforma do ensino é um direito de todo cidadão. Entre os docentes e
discentes, ou seja, na comunidade mais diretamente envolvida no processo
educacional, é razoável admitir que esse direito seja vivenciado de modo mais
intenso, como um dever cívico. É difícil crer que essa motivação tenha sido
suficiente para levar centenas de milhares de secundaristas a se integrar ao
movimento, invadindo escolas e nelas permanecendo por vários dias.
Presumivelmente, uma atitude cívica de tal intensidade teria mais chance de se
desenvolver entre adultos, principalmente entre os mais bem informados sobre as
questões em jogo. Admitamos, porém, que a hipótese do civismo ajude a
compreender por que uma parcela dos participantes vê sentido na tática de
ocupar escolas.
Minha segunda hipótese é a do ativismo romântico. Para o jovem
inclinado ao romantismo, a “normalidade burguesa” é um tédio insuportável. Ele
deseja ardorosamente mudar a sociedade, mas não sabe como. Não conseguindo identificar-se
com a sociedade existente e não atinando com os fundamentos da ordem política
democrática, ele não atura as convenções e instituições que lhe servem de base,
vendo-as como um mundo de aparências e hipocrisia. Durante o século 20 o
romantismo alimentou todo tipo de fantasia revolucionária; e, ainda hoje, por
toda parte e todas as classes e grupos etários há estudantes, intelectuais,
artistas e clérigos imbuídos da crença de que só através dessa fonte fáustica
chegarão à plena posse de sua alma e ao sentido de sua vida. Num país como o
Brasil, socialmente dilacerado e dilacerante, essa forma de romantismo
compreensivelmente se alastra com facilidade, se não como uma motivação
destrutiva consciente, ao menos como uma tentativa de experimentar situações
“contraculturais”, à margem da sociedade.
Mais robusta, entretanto, parece-me ser a hipótese ideológica, ou
seja, a da politização de esquerda. Ninguém ignora que o PT e os pequenos
partidos comunistas disputam acirradamente o controle do movimento estudantil,
geralmente apoiados por uma parcela do corpo docente. Um leitor desavisado
poderá surpreender-se com essa afirmação. Esses partidos e suas facções agem
orientados pelo que chamam de socialismo. Mas como, se a URSS desmoronou há um
quarto de século? Se a China, desde Deng Xiaoping, abandonou suas antigas
crenças a respeito da cor do gato, interessando-se apenas em saber se ele come
ratos? Sem esquecer que Cuba, com a bancarrota soviética, virou carta fora do
baralho. O que resta é a Coreia do Norte brincando de bomba atômica e a
Venezuela a um passo de sua tragédia anunciada. Lembremos, como arremate, que a
recente eleição municipal e a Operação Lava Jato reduziram o PT a pó de traque.
Contra esse pano de fundo de tantos fiascos, como compreender que as
organizações comunistas conservem sua influência e até consigam se expandir no
meio estudantil? Dado o espaço disponível, limitar-me-ei a duas observações
sucintas. Primeiro, as crenças antiliberais, entre as quais o comunismo se
destaca, correspondem com exatidão à noção de ideologia como o oposto do
conhecimento racional. Caracterizam-se por uma incapacidade profunda de
assimilar e processar informações novas, contrárias ao sentido que lhes é
inerente.
Nas condições atuais, justamente por terem perdido seus referenciais
internacionais, as esquerdas ditas socialistas regridem a um mero
“movimentismo” sustentado em elaborações intelectuais quase totalmente vazias
de conteúdo. O leitor interessado em apreciar este ponto pode esquecer seu
Marx, vá direto às Reflexões sobre a Violência de George Sorel, o inventor do
anarco-sindicalismo. O conteúdo das ideias – Sorel ensinou – é uma questão
secundária. Os “oprimidos” aprendem é pelo movimento, por uma luta incessante.
Para tanto basta um mito. Pode ser a figura de um populista corrupto ou uma
narrativa maniqueísta do tipo “nós contra a elite”. Qualquer mito serve e
quanto mais simples, melhor. Os “oprimidos” não precisam queimar pestanas em
cima dos cartapácios de Marx.
*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro
da Academia Paulista de Letras
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pelo governo, mais estudantes protestarão contra elas.
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