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OURO DE TOLO
De Raul Seixas/Paulo Coelho
Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 73
Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa
Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa
Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: E daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família ao Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos
Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco
É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar
Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador
Acaso o destino tivesse barrado Raul Seixas, bastaria, porém, apenas
uma de suas canções para assegurar-lhe eternidade: “Ouro de Tolo”. É a música-chave
do álbum Krig-Há, Bandolo!, 1973. Em uma semana, o compacto conseguiu
gigantesca popularidade. Naqueles tempos de milagre econômico, a letra
autobiográfica de Raulzito soou como sonoro tabefe desferido na cara da classe
média. A canção também embalou audaciosa tacada de marketing, bolada por Paulo
Coelho, para transmitir aos lares brasileiros preceitos da Sociedade
Alternativa. No dia 7 de junho de 1973, no centro do Rio de Janeiro, Raul
Seixas convocou a imprensa e entoou “Ouro de Tolo” em rede nacional. A cena foi
exibida no Jornal Nacional e Raul ganhou o Brasil. Cristiano Bastos/Revista Rolling Stone
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