OTÁVIO NUNES É JORNALISTA |
UMA NOITE NA VIDA
DO
DOUTOR MERCHOL
Doutor Merchol Junqueira deixou o fórum bastante tarde, às vinte e
uma horas e chegou em casa trinta minutos depois. Após estacionar o carro na
garagem, pegou sua pasta, seus papéis e entrou. A sala vazia, naquela noite, o
deixou transtornado. Morava sozinho havia mais de um ano, depois que a esposa
tinha fugido com o dentista. Guardou suas coisas e abriu a garrafa de uísque.
Mas nenhuma gota caiu no copo. Nervoso, saiu de casa e foi ao bar.
Só saiu do bar quatro doses depois, trôpego como um robô em projeto,
o que o fez tropeçar na sarjeta e cair com o rosto virado para o bueiro.
De repente, um enorme rato sai do buraco e o fita bem nos olhos.
“Saia daqui bicho ignóbil”, disse doutor Merchol, com a voz pastosa. “Sou tudo
isto porque vivo do lixo que vocês produzem”, respondeu o roedor.
“Era só o que me faltava, um rato ecologista e sociólogo”, murmurou
o doutor. “Também faço trovas e canto para minhas fêmeas”, disse novamente o
roedor. Doutor Merchol achou aquilo um achincalhe e mostrou sua indignação.
“Rato é rato. E rato é sempre sinônimo de sujeira e infâmia. Se estivesse em
condições, eu o esmagaria com um chute no meio do estômago.” Depois de dizer
tais palavras, fechou os olhos e dormiu ali mesmo.
No dia seguinte, acordou
tarde, com os olhos ardendo e a cabeça latejando de dor. “Acorde doutor, beba
este remédio, tome um banho e vá para a cozinha, pois seu café da manhã está
pronto. O senhor tem reunião no fórum às onze horas.” Era o rato que o chamava,
vestido de mordomo. (ON)
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