DE ONDE VÊM AS PALAVRAS:
COBRA QUE PERDEU O VENENO
POR DEONÍSIO DA SILVA (*)
Blog do Augusto Nunes
23/10/2016 – 10h02
ARQUIVO GOOGLE |
“Jararacas e cascavéis se tornam inofensivas, distribuindo dentadas
inócuas, humilhadas e furiosas na consciência da própria fragilidade”, escreveu
Luís Da Câmara Cascudo (1898-1986), acrescentando: “aplicam aos casos de
irritação permanente, cólera recalcada, desajustamento notório”.
Até parece que estava antecipando a definição que de si mesmo daria
o ex-presidente Lula, quando disse que tinham mexido com “a jararaca”, em
comício feito logo após sua condução coercitiva para depoimento, por
determinação do juiz Sérgio Moro, na manhã de 4 de março de 2016.
Advogado, antropólogo, historiador e jornalista, Câmara Cascudo é
autor de extensa bibliografia sobre usos e costumes brasileiros, entre os quais
o livro Locuções Tradicionais do Brasil:
coisas que o povo diz.
Esta frase é invocada quando pessoas iradas nada podem fazer em
situações de desespero.
A frase nasceu de crendice popular de que as cobras, para não
sucumbirem ao próprio veneno, depositam-no em folhas quando precisam tomar
água. Ao voltarem dos riachos, algumas acabam esquecendo-se de onde o puseram,
metendo-se como loucas à procura de peçonha temporariamente dispensada.
Câmara Cascudo era potiguar, mas foi o escritor maranhense Henrique
Maximiano Coelho Neto (1864-1934), autor de mais de cem livros e um dos
membros-fundadores da Academia Brasileira de Letras, quem deu ares literários à
frase famosa, registrando-a na peça A
muralha, numa fala da personagem Ana que, incapaz de resistir ao jogo do
bicho, comporta-se como cobra que perdeu o veneno.
Deonísio da Silva é professor,
escritor e etimologista
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