ILUSTRAÇÃO: NANDO |
DELAÇÃO
À VISTA
Condenar
Eduardo Cunha e Fernando Collor não é a solução,
é só
parte da solução, porque eles são resultado de um sistema
que
facilita a corrupção, premia os corruptos e enaltece a “esperteza”
POR
ELIANE CANTANHÊDE
Portal
do Estadão
Em
21/10/2016
Não
há um só político, um só agente público e um só jornalista em Brasília e no Rio
de Janeiro, no mínimo, que não saiba exatamente quem é Eduardo Cunha, não tenha
ouvido falar de sua ousadia sem limite, seus métodos de intimidação e sua
relação para lá de heterodoxa com a coisa pública. O que espanta, portanto, não
é a sua prisão, mas o fato de ele ter sobrevivido e voado tão alto nesses 25
anos, apesar de tudo.
Cunha
emergiu em 1989, surfando no velho PRN e na campanha de Fernando Collor de
Mello. Eleito Collor, foi presidente da Telerj, onde foi acusado de fraudes em
licitações e contratos. Já no também velho PPB, foi subsecretário de Habitação
do Rio e depois presidente da Companhia Estadual de Habitação (Cehab) no
governo Anthony Garotinho, onde também foi acusado de... fraudes em licitações
e contratos.
A
(má) fama de Cunha completa assim 25 anos e já corria mundo quando, em 1996, o
então presidente Fernando Henrique Cardoso recusou o nome dele para diretor
comercial, justamente, da Petrobrás. Segundo anotações do próprio FHC,
registradas no livro Diários da
Presidência, ele ouviu e reagiu: “Imagina!”.
Por
tudo isso, não há nenhuma surpresa na prisão de Cunha agora, mas é um espanto,
um escândalo, absolutamente inacreditável que ele tenha galgado degrau por
degrau a vida política, até se eleger deputado federal em 2002 e chegar em 2015
a presidente da Câmara, o segundo cargo na linha sucessória da Presidência da
República.
O
céu era o limite para ele, que se filiou ao PMDB em 2003, primeiro ano de Lula,
e passou a comprar sua bancada suprapartidária particular e a engordar os tais
trustes no exterior com os mesmos métodos de sempre – fraudes em licitações e
contratos. Tudo com um objetivo, ou obsessão: subir a rampa do Planalto como
presidente do Brasil.
ELIANE CANTANHÊDE É JORNALISTA (TWITTER) |
Pergunta
que não quer calar: o que falhou no sistema político, nos filtros partidários,
na fiscalização dos órgãos públicos e na Justiça, para que durante duas décadas
e meia um personagem assim continuasse vivo politicamente, vitorioso e fazendo
o que sempre fez a vida toda, ora com navios-sonda da Petrobrás, ora com
contratos na África, ora com o FI-FGTS? O que dizem o PMDB, o MP, a PF, a
Justiça e o Congresso, que cria as leis?
Há
algo profundamente errado neste reino que não é da Dinamarca, tanto que Collor,
alavanca de Cunha na vida pública, sofreu impeachment, viveu nababescamente
seus anos de inelegibilidade, voltou como senador por Alagoas, ganhou as
bênçãos de Lula e hoje é acusado de 30
crimes pela PGR e alvo de seis
investigações no mesmo Supremo que o absolvera antes. Os troféus de Cunha
são hotéis, joias e bolsas pagas a peso de ouro para sua mulher, Cláudia Cruz.
Os de Collor são carrões e quadros, como um Di Cavalcanti de mais de R$ 1
milhão. É ou não rir na cara da gente? Aliás, o que pensam hoje os
“caras-pintadas”?
Condenar
Eduardo Cunha e Fernando Collor não é a solução, é só parte da solução, porque
eles são resultado de um sistema que facilita a corrupção, premia os corruptos
e enaltece a “esperteza”. A Lava Jato e esse extraordinário processo de
depuração por que passa o Brasil não podem ser contra apenas pessoas, mas
principalmente contra um sistema em que germinam, crescem e engordam essas
pessoas.
Se
Cunha vai fazer delação premiada? Não tenha a mínima dúvida. Ele vai. E, como
dizem o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) e a senadora Ana Amélia (PP-RS), ele
conhece como poucos as entranhas do poder. Que conte tudo e dê nome aos bois,
“duela a quem duela”, a la Collor. O Planalto treme, porque Cunha não é um a
mais no PMDB, é da cúpula do partido e, dentro dela, do grupo do presidente
Michel Temer. E é aquela velha história: quem não deve não teme – nem treme.
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