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DYLAN E O NOBEL DE LITERATURA
Academia Sueca arriscou um grande golpe publicitário,
aproveitando-se da fama de Dylan. Talvez ele tenha percebido
esse intuito e tenha se reservado
POR CLÓVIS CAMPÊLO
Como diz Rita Lee, tudo vira bosta. Talvez essa máxima se aplique
com adequação à notícia divulgada pela Academia Sueca. Pra que diabo Bob Dylan
vai querer um prêmio desses? Em que é que isso vai enriquecer ainda mais a sua
carreira musical, além, é claro dos 2,9 milhões de reais a serem pagos? Do
mesmo modo que não quero entender, até hoje, porque os Beatles aceitaram o
título de “sir” que lhes foi dado por uma Inglaterra ferozmente capitalista e,
na época, envolvida com a Guerra escrota do Vietnã.
Dylan, com a cara atual de maracujá enrugado, começou a sua carreira
fortemente influenciado pela cultura beatnik. Nascido no estado da Minnesota,
em 1941, neto de emigrantes judeus russos, escolheu a música folk para lhe servir de base e veículo
dos seus textos e poemas. Deu certo. Emigrou para Nova York, onde vive até
hoje, e no bairro do Greenwich Village começou sua longa e profícua carreira de
compositor. Dizem que a escolha pela música folk
foi uma homenagem ao ídolo Woody Guhtrie. Nós, fãs da periferia, talvez não
tenhamos conhecido o Woody, mas, no Festival de Woodstock, seu filho, Arlo, fez
um relativo sucesso.
Mas, Dylan, que em seu nome artístico também homenageia outro poeta,
Dylan Thomas, teve ressonância entre os descontentes da época por alertar aos
seus contemporâneos, sempre de forma branda e poética, sobre os rumos dos novos
tempos. Nunca foi, porém, um contestador do sistema. Nunca pregou revoluções.
Aliás, chegou mesmo a homenagear o american
way of life, ao declarar que mudava de nome por viver na terra da
liberdade. Detestava, inclusive, a alcunha de compositor de músicas de
protesto. Na verdade, um bom moço, o Dylan. Por isso, não foi à toa, que nos
anos 70, Lennon afirmou em uma das suas músicas pós-Beatles que, entre outras
coisas, não acreditava mais em Robert Zimmerman (o nome de batismo de Dylan).
CLÓVIS CAMPÊLO |
Vejo agora na imprensa que Dylan, classificado pela Academia Sueca
como arrogante e mal-educado por não se pronunciar sobre a premiação, corre o
risco de não receber a dinheirama do prêmio. Seu silêncio, constrangedor para
os cedentes, pode lhe custar os cifrões. Pelo regulamento, o premiado deve
fazer palestra sobre a sua arte, no prazo máximo de seis meses a partir da
concessão do Nobel. Ou até mesmo um show musical, admite a Academia. Mas ele
continua mudo como um túmulo.
Ainda pelas regras da Academia cedente, a recusa do prêmio não será
aceita. O recusante, no entanto, ficará privado do valor monetário a ser
recebido. Consta que apenas Jean Paul-Sartre, em 1964, recusou o mimo. Anos
depois, porém, diante das graves dificuldades financeiras que enfrentou,
solicitou à Academia Sueca que lhe pagasse o valor devido, o que lhe foi
negado. Sartre, talvez, tenha se arrependido, mas já era tarde.
Para mim, a Academia Sueca arriscou um grande golpe publicitário,
aproveitando-se da fama de Dylan. Talvez ele tenha percebido esse intuito e
tenha se reservado. Não sabemos até onde isso irá e qual a verdadeira
importância dessa babaquice para o conturbado mundo moderno.
Portanto, que se fodam Dylan e o Nobel de Literatura!
Recife, outubro 2016
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