LULA: GUARDADOR DE "TRALHAS" |
O PÚBLICO E O PRIVADO
Há dois meses o governo tenta localizar 4.564 bens
que desapareceram da Presidência — de forma
“absolutamente inexplicável” na avaliação do TCU
POR JOSÉ CASADO
EM “O GLOBO”
18/10/2016
Michel Temer vai informar a Lula e Dilma que todo o acervo
presidencial levado quando deixaram o poder está embargado, pelo menos até a
conclusão do inquérito para identificação, origem, natureza (se os bens são
públicos ou privados) e eventual incorporação ao patrimônio da União.
O aviso para que se “abstenham de vendê-los ou doá-los” deverá ser
encaminhado pelo gabinete pessoal de Temer — informou o Tribunal de Contas em
correspondência enviada na tarde de sexta-feira passada ao Palácio do Planalto,
ao responder um pedido de “esclarecimentos” da Secretaria de Governo.
Há dois meses o governo tenta localizar 4.564 bens que desapareceram da Presidência — de forma
“absolutamente inexplicável” na avaliação de auditores do TCU. Entre 2010 e
2016, a cada 24 horas sumiram dois
bens do registro do patrimônio presidencial.
Estavam sob a guarda e responsabilidade dos gestores de 24 unidades
e órgãos, entre eles, os palácios do Planalto e da Alvorada, a residência
oficial da Granja do Torto, ministérios e secretarias como Casa Civil, Assuntos
Estratégicos, Portos, Aviação, Imprensa, Mulheres, Igualdade Racial.
Não se conhece a listagem do que sumiu. Auxiliares de Temer
resolveram mantê-la sob sigilo, apesar da posição contrária do tribunal.
Sabe-se que dela constam seis obras de arte da Presidência e uma do Museu de
Belas Artes (Rio).
Sabe-se, também, que Lula e Dilma guardam 697 peças classificadas como “acervos de natureza museológica e
bibliográfica”, recebidas como presentes em reuniões com chefes de Estado e de
governo. Lula ficou com 80%, como
“mero guardião”, alegam seus advogados, ciente de que o proprietário é “o povo”
e sua conservação e preservação “cabe ao poder público”.
Em março passado, ele disse à polícia não saber o valor e a exata
localização dos bens:
— Acho que (está) no sindicato nosso, dos metalúrgicos (de São Bernardo-SP).
Tem coisa de valor que deve estar guardada em banco… Eu já tomei uma decisão,
terminada essa porra desse processo, eu vou entregar isso para o Ministério
Público. Vou levar lá e vou falar: “Janot, está aqui, olha, isso aqui te
incomodou? Um picareta de Manaus entrou com um processo pra você investigar as
coisas que eu ganhei, então você toma conta”.
O delegado insistiu:
— O senhor disse que no sítio (de Atibaia-SP) foi colocada parte dos
bens que foram retirados no fim do mandato…
— Eu falei tralhas, que eu nem sei o que é, mas é tralha — retrucou
Lula.
— O senhor disse que tem coisa valiosa.
— Eu não sei onde está, mas tem muita coisa valiosa. Tem muita coisa
valiosa…
Parte do acervo mantido por Lula já foi mapeado pela polícia. Duas
semanas atrás, o juiz Sérgio Moro autorizou uma comissão governamental a
catalogar as peças encontradas num cofre do Banco do Brasil, em São Paulo.
O roteiro escrito no Planalto prevê que até janeiro se conclua a
“minuciosa identificação dos bens” no cofre do banco. Idêntico procedimento
seria adotado sobre o acervo mantido pela ex-presidente Dilma.
Permanecem desaparecidas outras 3.868
peças do patrimônio da Presidência. Ajudam a compor o retrato da resiliência de
costumes arcaicos na política, cuja melhor síntese foi feita pelo Barão de
Itararé, nos anos 40: “No Brasil, a vida pública é, muitas vezes, a continuação
da privada”.
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