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Carneiro andava injuriado. Pouco falava, jamais sorria. Era pura tristeza. Parecia estar sempre no mundo da lua. Aquele seu olhar distante evidenciava um aborrecimento medonho. Tal situação não escapou aos fregueses mais próximos. Uns chegaram a pensar que ele adquirira mais uma doença (Carneiro costumava dizer que tinha dez tipos diferentes de males, embora não conseguisse enumerar mais que meia dúzia.). Outros suspeitavam de que sua mulher continuava fazendo o de sempre: torrando parte da féria miúda na maquininha caça-níquel instalada no fundo do bar.
O Velho Marinheiro
aproveitou que estavam a sós para lhe perguntar por que andava daquele jeito,
tão sorumbático. Carneiro abriu o jogo:
-- É o maldito fiado.
Não sei mais o que fazer. O cara vai gastando, vai gastando. Para receber, é um
sacrifício. O sujeito lhe deve trezentos, vem com uma nota de cem, leva mais cinqüenta
de mercadoria. Sem contar os que simplesmente desaparecem... Não há quem possa.
-- Acabe com o fiado –
lhe sugeriu o Velho Marinheiro.
-- Se fizer isso, não
entra mais ninguém, melhor fechar as portas de uma vez.
-- Pelo menos você não
perde dinheiro.
-- Não dá, não dá,
tenho que trabalhar, não sei fazer outra coisa na vida, sempre fui dono de bar.
Carneiro pediu licença
para atender um freguês que acabara de chegar.
Quando voltaram a ficar
sozinhos, o Velho Marinheiro retomou a conversa:
-- Acho que tenho a
solução, Carneiro. Ponha uma placa com os seguintes dizeres: “VENDEMOS FIADO”...
-- O senhor, Velho
Marinheiro, está de gozação!
-- Calma, não terminei
de falar. Abaixo do “VENDEMOS FIADO” você escreve assim: “MAS SÓ NO CARTÃO DE
CRÉDITO”.
-- Não entendi.
-- Carneiro: é simples.
O sujeito quer gastar R$ 200,00? Tudo bem. Ele passa o cartão, o banco vai
cobrá-lo depois de trinta dias. Nesse período, ele vai consumindo. Chega aqui,
entorna uma cachaça, come um torresmo, sei lá, e você desconta. Ele já não tem
mais R$ 200,00 de crédito, tem R$ 190,00. Você continua dando fiado, mas
transfere o problema pro banco. Entendeu?
-- E quem não tem
cartão?
-- Mande beber em outra
freguesia.
(ORLANDO SILVEIRA - maio/2014)
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