GRACILIANO RAMOS (ARQUIVO GOOGLE) |
GRACILIANO E ODEBRECHT
Ao ler os relatórios de Graciliano, somos ainda capazes de rir.
Os novos produzem só desalento. É o mundo inteiro, agora se vê.
Todos empenhados, sofregamente, numa corrupção desenfreada
POR JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
BLOG DO NOBLAT
16/12/2016 | 01h15
Graciliano Ramos nasceu em 1892. Na (hoje) Praça Getúlio Vargas, em
Quebrangulo. Prefeito eleito de uma cidade vizinha, Palmeira dos Índios,
escreveu quatro relatórios ao Governador de Alagoas. Primeiro deles publicado,
na Imprensa Oficial, em 1929. Com a graça e a especial compreensão do mundo a
partir da província. Num tempo em que a política não era só o “venha a nós”
constrangedor de agora. E onde seus instrumentos de trabalho não estavam
reduzidos, como hoje, a pouco mais que artifício, simulação, farsa, vergonha de
menos e gula de mais.
São relatórios muito especiais: Porque
se derrubou a Bastilha, um telegrama; porque se deitou uma pedra na rua, um
telegrama; porque o Deputado F. esticou as canelas, um telegrama. Dispêndio
inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que
nós choramos e que, em 1559, D. Pero Sardinha foi comido pelos Caetés. Temos,
ali, um mosaico que se vai formando aos poucos – a geografia física e a
geografia humana. O rosto de um tempo. A iluminação que temos, pérfida,
dissimula nas ruas sérias ameaças à integridade das canelas imprudentes que por
ali transitassem em noites de escuro. Ou O caminho que vai a Quebrangulo tem
lugares que só podem ser transitados por automóvel Ford e por lagartixa.
O prazo de 3 meses para levar
um tiro – dado, pelo populacho, para que batesse as botas –, como
assinalado no primeiro dos relatórios, estava errado. A monotonia não foi
turbada por nenhuma espingarda. Graciliano viveu o bastante para ser
reconhecido como grande escritor. E a calma continuou a mandar naquela
cidadezinha do interior.
Esses relatórios se ocupam, também, de corrupção. Falam dos
funcionários da administração anterior, que
faziam política ou não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não
são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em
contas. Como falam de valores minuciosamente anotados: 724$000 foram-se para
uniformizar as medidas pertencentes ao município: os litros aqui tinham mil e
quatrocentas gramas, fui descaradamente roubado em compras de cal para os
trabalhos políticos; 2.886$180 foram gastos com instrução, mas não creio que os
alunos aprendam ali grande coisa; obterão, contudo, a habilidade precisa para
ler jornais e almanaques, discutir política e decorar sonetos.
Na semana passada, tivemos outro relatório. O primeiro da Odebrecht,
na “Delação Premiada” da Lavajato. Outros virão, o que é muito bom. Alvíssaras.
Mas bem diferente dos alagoanos. Primeiro, porque Graciliano sabia escrever.
Segundo, porque seus relatórios tinham graça, não eram apenas o rude toma lá,
dá cá da política mais recente. Terceiro, e sobretudo, porque, comparado com os
montantes de hoje, a gatunagem de Palmeira dos Índios era quase nada. Esmola.
Coisa de iniciantes. De trombadinhas.
Mas a maior diferença está dentro de nós. Ao ler os relatórios de
Graciliano, somos ainda capazes de rir. Os novos produzem só desalento. É o
mundo inteiro, agora se vê. Todos empenhados, sofregamente, numa corrupção
desenfreada. Tout le monde et son père, como dizia La Fontaine (na fábula “O
moleiro, o seu filho e o burro”). Não sobra ninguém. Fosse pouco e, na semana
passada, o Supremo se encarregou de sepultar nossas derradeiras esperanças. Num
acordo triste. Elevando Renan a santo de altar. Cândido e puro. Está difícil.
Ainda bem que virá, por aí, o Natal. E um novo ano. Para, talvez, retemperar
esperanças despedaçadas. Boa chance, também, para Deus provar que é mesmo
brasileiro.
JOSÉ PAULO
CAVALCANTI FILHO É ADVOGADO
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