quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

CRÔNICA: WALCYR CARRASCO

Resultado de imagem para IMAGENS DE PACIENTE COM HOLTER
NA "PIOR IDADE": EXAMES, EXAMES, EXAMES....



DEPOIS DOS 60

O exame ocular consiste em torturas.
Tenho de reagir e apertar a campainha.
Testa o olho e a agilidade

POR WALCYR CARRASCO
ÉPOCA ON-LINE
13/12/2016 | 08h00

Fiz 65 anos. No momento estou escrevendo com um holter atrelado a meu braço. O holter é um aparelho que mede a pressão a cada 15 minutos. Ficarei com ele 24 horas. Meu cardiologista terá um panorama de todos os picos de pressão do dia e da noite. Não sei como vou dormir com uma caixinha em minha barriga e meu braço sendo apertado automaticamente a intervalos. Não se horrorizem. Meu coração está perfeito. Ocorre que os remédios que usava havia 15 anos, para controlar a pressão, começaram a ter um efeito superlativo. Abaixavam tanto a pressão que eu me enchia de sal. Contraditório. Aconteceu um pouco antes de eu ir para Nova York concorrer ao Emmy. Dalmo, meu cardiologista, arriscou.

– Não será a tensão pelo prêmio?

– De jeito nenhum, sou zen. Ganhar ou perder não me afeta. Tudo um dia será pó.

Mentira. Quase desmaiei na hora da revelação e, quando recebi o prêmio, entrei em êxtase. Mas o mal já estava feito. O cardiologista me mandou fazer, urgente, esse procedimento com o holter. E outros exames. Para modular os remédios. Que voltaram a funcionar muito bem após meu retorno. Mas médico não acredita em paciente otimista. Se eu abdicar do holter, ele não concordará. Claro que, diferentemente do que pede o médico, não farei tudo o que faço normalmente. Terei um dia calmo, tranquilo, fora dos meus padrões. Jamais faria sexo atrelado a um holter, por exemplo. Tento ficar calmo, não brigar. Não quero que meu médico tenha uma má impressão de meu coração. Não é só isso. Tenho um exame oftalmológico nos próximos dias. Sofro de pressão no olho, o que significa pré-glaucoma ou o próprio. Uso um colírio à noite, outro ao despertar. O glaucoma é terrível, porque, se não tratado, cega ao longo dos anos. O exame consistirá numa série de torturas: uma foto de meu fundo de olho, com uma luz alucinante; um exame para determinar meu campo visual, com pontinhos brilhantes pulando sobre a tela. A cada um, deverei apertar uma campainha. Ou seja, o exame determina não só a saúde do olho, mas a agilidade. Tensão. Se der errado, terei um diagnóstico ruim.

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WALCYR CARRASCO (FOTO: O GLOBO)

Nenhum paciente quer fazer feio perante o médico. Bem, deixei exames para o ano que vem. Inclusive o da próstata, que todo homem deve realizar a partir de certa idade. Vocês sabem mais ou menos como é. O médico espeta o dedo e... só me pergunto: o que faz um formado em medicina decidir que sua vocação é a proctologia? Há um outro, a colonoscopia, com doses cavalares de purgante. Tudo isso porque até agora – devo dizer graças a Deus – não tenho nenhuma doença agressiva, nada que não se possa controlar. É pouco diante do que acontece com meus contemporâneos. Depois dos 60, notícias tristes fazem parte do cotidiano. Um amigo tem um ataque cardíaco. Outro uma doença dolorosa. Muitas pessoas morrem, outras somem. Vão morar longe, com filhos, parentes.

Mas eu que continuo em cena. Não é fácil. Se vou viajar, tenho de levar os dois colírios. Por via das dúvidas, levo quatro, para o caso de acabar, ainda mais em país estrangeiro. Também boto na mala sal de fruta, aspirina, vitamina C, para o caso de gripe. Preciso de duas nécessaires para carregar tudo. Ida e volta. Também, devido a minha idade, não me arrisco a viajar sem hotel marcado. Antes, mais jovem, simplesmente arriscava. Conhecia gente, me abria a aventuras. Agora, e se não houver hotel? Ficarei na chuva, no frio?
Tento atenuar a idade com meu look. Sou bem fashion, pinto os cabelos e faço regime. Já gastei mais do que devia em paletós, jaquetas, camisas. Um amigo, ainda por cima, comentou:

– Se você fosse o Cauã Reymond, bastava botar uma camiseta simples e baratinha. Ficaria ótimo.

Oh, céus, é verdade. Mas o Cauã nem precisa ir a loja popular. A Giorgio Armani o escolheu para usar suas roupas. Eu não. Pago e a barriga continua explodindo pelos botões da camisa. Ah, são tantos outros detalhes! Meu remédio de pressão é diurético. Se tenho vontade, é na hora! Ser homem nessas situações seria mais fácil. Seria. Só parar na beira da estrada e poluir o mato. Hoje, corro o risco de ser assaltado, no mínimo. Quando há outra pessoa para dirigir, viajo com saquinhos onde um pó transforma a urina numa espécie de gelatina. É preciso uma ginástica no carro para encaixar. Então... basta um buraco na estrada para o carro saltar e provocar uma tragédia no interior do veículo.

Tenho de ficar imóvel. O holter começa a medir minha pressão novamente. Só por curiosidade: quem disse mesmo que a terceira é a melhor idade? Juro, quero esganar o autor desse slogan.

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