sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

QUASE HISTÓRIAS


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MEUS “SAPATINHOS”


Há muitos anos, deixei de comprar roupas. Antes que alguém chame um time de beatas para me maldizer, vou logo lhes dizendo: não sou exibicionista. Em público, ando vestido como qualquer sujeito. O que não faço, por autodefesa, nada mais que isso, é comprar meus próprios trajes. Transferi a responsabilidade para uma jovem senhora, minha patroa (ela odeia que eu a chame assim), que me suporta há três décadas. Ela conhece meus gostos e, bem mais que isso, as limitações que o corpo roliço me impõe.

Sou presa fácil de vendedores. Compro qualquer coisa, pago fortuna pelo imprestável, mas não os deixo a ver jangadas, ainda mais se me fizerem o desfavor de mostrar tudo o que está encalhado na loja. Vou ser honesto: compro mais pela necessidade premente de sair dali que pela consideração que não lhes tenho. Vendedores me oprimem. Não adianta dizer a eles, por exemplo, que a calça apertada desse jeito pode me trazer dores lancinantes e problemas futuros de impotência. Eles não desistem jamais. Não estão nem aí com meu futuro sexual.   

Certa feita, eu me encantei com um sapatinho bege. Olhei, olhei e fui embora. Mas não tirava o sapatinho da cabeça, imaginava o quanto ele combinaria com aquela calça jeans desbotada. Dias depois, voltei à loja. Um felizardo levara o sapatinho bege antes que eu. A vendedora me fez provar outro sapatinho da mesma marca, mas de cor bem menos discreta: amarelo ouro. Argumentei que era muito chamativo, que não combinava com minha idade etc. Segundo ela, era tudo bobagem minha, estava um gato, sei lá o que mais. Provei, dei três, quatro passos e lhe perguntei pelo espelho de chão. Fui informado de que, na véspera, um capeta em forma de guri quebrara o espelho. Mandei embrulhar, paguei, fui embora. Com o sovaco pingando em cima do pacote. Pobres nervos, desde sempre arruinados.

Passei o dia me iludindo, de tal forma que, na minha cabeça, o sapatinho amarelo ouro se transformara no sapatinho bege que desejara com fervor. À noite, ao abrir a caixa na frente de mulher e filhos, quase infarto a família. “Não me saia com isso pelas ruas, jamais, não vá trabalhar com um treco desses. Só me faltava perder o emprego por conta disso. Mais um prejuízo, paciência”. Era o que ela, minha patroa de décadas, tinha a me dizer. Surtei. Tentei a “CÂNDIDA”. Mas a danada foi incapaz de transformar o amarelo ouro em bege. Noite perdida. Torcida em vão.

Durante algum tempo, ainda frequentava lojas de departamentos. Ali, me sentia quase livre. Podia escolher as peças sem pressões e palpites descabidos. Se a roupa não ficava bem nesse corpinho roliço, largava a peça no provador e me mandava. Tudo ia mais ou menos bem até que, um dia, em razão de minha pressa, uns seguranças desconfiaram de meu comportamento, me trancaram num quarto quase escuro e me obrigaram a ficar peladinho da silva. Nunca mais eu pisei ali – ali e em loja alguma. (OS –  2013)


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