MEUS “SAPATINHOS”
Há muitos anos, deixei de comprar roupas. Antes que alguém chame um time de beatas
para me maldizer, vou logo lhes dizendo: não sou exibicionista. Em público,
ando vestido como qualquer sujeito. O que não faço, por autodefesa, nada mais
que isso, é comprar meus próprios trajes. Transferi a responsabilidade para uma
jovem senhora, minha patroa (ela odeia que eu a chame assim), que me suporta há
três décadas. Ela conhece meus gostos e, bem mais que isso, as limitações que o
corpo roliço me impõe.
Sou presa fácil de vendedores. Compro qualquer coisa, pago fortuna
pelo imprestável, mas não os deixo a ver jangadas, ainda mais se me fizerem o
desfavor de mostrar tudo o que está encalhado na loja. Vou ser honesto: compro
mais pela necessidade premente de sair dali que pela consideração que não lhes
tenho. Vendedores me oprimem. Não adianta dizer a eles, por exemplo, que a
calça apertada desse jeito pode me trazer dores lancinantes e problemas futuros
de impotência. Eles não desistem jamais. Não estão nem aí com meu futuro
sexual.
Certa feita, eu me encantei com um sapatinho bege. Olhei, olhei e
fui embora. Mas não tirava o sapatinho da cabeça, imaginava o quanto ele
combinaria com aquela calça jeans desbotada. Dias depois, voltei à loja. Um
felizardo levara o sapatinho bege antes que eu. A vendedora me fez provar outro
sapatinho da mesma marca, mas de cor bem menos discreta: amarelo ouro.
Argumentei que era muito chamativo, que não combinava com minha idade etc.
Segundo ela, era tudo bobagem minha, estava um gato, sei lá o que mais. Provei,
dei três, quatro passos e lhe perguntei pelo espelho de chão. Fui informado de
que, na véspera, um capeta em forma de guri quebrara o espelho. Mandei
embrulhar, paguei, fui embora. Com o sovaco pingando em cima do pacote. Pobres
nervos, desde sempre arruinados.
Passei o dia me iludindo, de tal forma que, na minha cabeça, o
sapatinho amarelo ouro se transformara no sapatinho bege que desejara com fervor.
À noite, ao abrir a caixa na frente de mulher e filhos, quase infarto a família.
“Não me saia com isso pelas ruas, jamais, não vá trabalhar com um treco desses. Só me
faltava perder o emprego por conta disso. Mais um prejuízo, paciência”. Era o
que ela, minha patroa de décadas, tinha a me dizer. Surtei. Tentei a “CÂNDIDA”.
Mas a danada foi incapaz de transformar o amarelo ouro em bege. Noite perdida. Torcida em vão.
Durante algum tempo, ainda frequentava lojas de departamentos. Ali,
me sentia quase livre. Podia escolher as peças sem pressões e palpites
descabidos. Se a roupa não ficava bem nesse corpinho roliço, largava a peça no
provador e me mandava. Tudo ia mais ou menos bem até que, um dia, em razão de minha
pressa, uns seguranças desconfiaram de meu comportamento, me trancaram num
quarto quase escuro e me obrigaram a ficar peladinho da silva. Nunca mais eu
pisei ali – ali e em loja alguma. (OS – 2013)
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