BRASIL: PERU GORDO FATIADO PELOS CORRUPTOS (GOOGLE|) |
PERNIL GORDO
A sociedade brasileira se esquece que muito mais eficaz
do que criar leis seria
aplicar as que existem
POR J. R. GUZZO
BLOG DO AUGUSTO NUNES
15/12/2016 | 22h22
Países subdesenvolvidos, sobretudo em matéria de desenvolvimento
mental, costumam ter em comum uma característica não muito lembrada: a
espetacular quantidade de questões cretinas presentes nas discussões que fazem
parte do seu dia a dia. O Brasil, que vive numa permanente competição mundial
para ver quem fica com os piores lugares em praticamente todas as áreas da
atividade humana, do tempo perdido pelo cidadão numa repartição pública à
capacidade de lidar com a aritmética elementar, pode estar à beira do título de
campeão neste quesito. Nada parece demonstrar tão bem nosso potencial de criar,
engordar e consumir bobagens fora de série quanto essa história das “Dez
Medidas” contra a corrupção, hoje debatida no mundo político, jurídico e
vizinhanças com a intensidade das paixões mais tórridas. Ainda agora um
ministro do Supremo Tribunal Federal, na situação de arruaça descontrolada que
envolve atualmente o ato de fazer leis neste país, acendeu mais um holofote de
escuridão em torno das tais medidas; mandou o Senado Federal devolver à Câmara
dos Deputados o projeto que recebera dela, já aprovado, para novas discussões.
Mais gritaria. Mais bate-boca. Mais desordem. Menos, e cada vez menos, algum
sinal de vida inteligente nesta baderna política e legal.
“Como pode fazer sentido um conjunto de providências
contra a corrupção que não muda em nada,
absolutamente nada, as condições que tornam a corrupção
praticamente inevitável no Brasil?”
O STF pode fazer isso? Não pode? A Câmara tem o direito de fazer
emendas num projeto de lei? Quais? O que está certo? O que está errado? O
público está recebendo neste preciso momento uma cordilheira completa de
notícias, opiniões, análises e tudo mais sobre as aventuras e transmutações da
“lei anticorrupção”; não há nenhuma necessidade, portanto, de castigar o coitado
com mais prosa e verso sobre o assunto. Ele precisa menos ainda, Deus nos
livre, de ser idiotizado com as hermenêuticas, e propedêuticas, e bobagêuticas
que compõem a abordagem “jurídica” do tema. Este artigo apenas pede a devida
“vênia” do leitor para registrar uma observação prática. O debate sobre as “Dez
Medidas” já era incompreensível porque nunca fez sentido nenhum; agora fica
garantido que continuará exatamente assim, mas com um carimbo do Supremo
Tribunal Federal. Como pode fazer sentido um conjunto de providências contra a
corrupção que não muda em nada, absolutamente nada, as condições que tornam a
corrupção praticamente inevitável no Brasil? Seus defensores acham que a chave
de tudo está em tornar mais pesadas as punições para quem rouba. Não percebem,
apesar de todas as provas que recebem diariamente, que ninguém se assusta com
as penas; a única coisa que realmente pode atrapalhar o ladrão é a redução das
oportunidades de roubar. Nisso não se mexe uma palha. O erário público
brasileiro continua sendo um imenso pernil, um dos maiores do mundo, pronto o
tempo todo para ser fatiado; a situação, na verdade, só piora, pois quanto mais
a autoridade pública se mete na vida do país, mais chances cria para corruptos
e corruptores.
“Que leis novas tiveram de ser criadas para permitir
a atuação e o funcionamento da Operação Lava Jato?
Nenhuma. O que houve aí foi unicamente vontade,
coragem e competência para se aplicar as regras existentes.
É, justamente, o que está faltando”
“Cadeia”, como se vê, não faz ninguém roubar menos. Nunca houve, em
toda a história do Brasil, tanta gente investigada, processada, presa e
condenada por corrupção como há no presente momento. Nunca se furtou tanto. Só
nos últimos dias, a polícia prendeu professores por roubo de bolsas de estudos,
no Rio Grande do Sul, fez um rapa na prefeitura de Itu, em São Paulo, por
ladroagem no filão imobiliário, prendeu a prefeita e outros peixes gordos em
Ribeirão Preto – em suma, é algo que simplesmente não para mais, saiu fora de
qualquer controle e está contaminando um número cada vez maior de áreas. Hoje
se vai em minutos do primeiríssimo escalão da República a tudo quanto é
prefeitura de interior, da venda de alvarás ao roubo de bolsas de estudo – sim,
mete-se a mão até nisso, bolsas de estudo. Enquanto as malas de dinheiro vivo
voam de um canto para o outro, ferve o debate nacional, gravíssimo, sobre a
criação de mais dez regras contra a roubalheira. O que se pode esperar de bom
numa situação dessas? A sociedade brasileira continua enganando a si mesma com
a ideia de que vai resolver problemas através da criação de novas leis – e se
esquece que muito mais eficaz do que isso seria, modestamente, aplicar as leis
que já existem. Que leis novas tiveram de ser criadas para permitir a atuação e
o funcionamento da Operação Lava Jato? Nenhuma. O que houve aí foi unicamente
vontade, coragem e competência para se aplicar as regras existentes. É,
justamente, o que está faltando.
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