segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

CHÁ DAS CINCO: FERREIRA GULLAR

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ILUSTRAÇÃO: SPONHOLZ

 
NÃO HÁ VAGAS

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

 
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ILUSTRAÇÃO: FRAGA


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

 
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ILUSTRAÇÃO: BAPTISTÃO



NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO (*)



Minha amada tem palmeiras

Onde cantam passarinhos

e as aves que ali gorjeiam

em seus seios fazem ninhos

Ao brincarmos sós à noite

nem me dou conta de mim:

seu corpo branco na noite

luze mais do que o jasmim

Minha amada tem palmeiras

tem regatos tem cascata

e as aves que ali gorjeiam

são como flautas de prata

Não permita Deus que eu viva

perdido noutros caminhos

sem gozar das alegrias

que se escondem em seus carinhos

sem me perder nas palmeiras

onde cantam os passarinhos

***




Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira (São Luís, 10 de setembro de 1930 – Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 2016), foi um escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro. Um dos fundadores do neoconcretismo, Gullar é considerado um dos maiores escritores brasileiros do século 20.

Ganhou o concurso de poesia promovido pelo Jornal de Letras com seu poema "O Galo" em 1950. Recebeu também os prêmios Molière e Saci, além de outros do teatro em 1966, com “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, considerada uma obra prima do teatro moderno brasileiro.

Em 2002, foi indicado por nove professores dos Estados Unidos, do Brasil e de Portugal para o Prêmio Nobel de Literatura. Em 2007, seu livro “Resmungos” ganhou o Prêmio Jabuti de melhor livro de ficção do ano. O livro, editado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, reúne crônicas de Gullar publicadas no jornal Folha de S. Paulo no ano de 2005. Foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano de 2009.

Em 2010, recebeu o prêmio Camões. No mesmo ano, foi contemplado com o título de Doutor Honoris causa, na Faculdade de Letras da UFRJ.

Em 20 de outubro de 2011, ganhou o Prêmio Jabuti com o livro de poesia “Em Alguma Parte Alguma”, que foi considerado "O Livro do Ano" de ficção.

Ferreira Gullar tomou posse na Academia Brasileira de Letras, em dezembro de 2014.

FONTE: WIKIPÉDIA


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