CADÊ A "JINA"? (IMAGEM: OPERÁRIOS DE TARSILA DO AMARAL) |
Meu sogro, verdade seja dita, foi homem de muitas qualidades. Tinha memória de elefante, era inventivo e, acima de tudo, inabalável. Jamais, em momento algum, se deixava apanhar em calças de guri. Nesses três quesitos, só havia uma pessoa capaz de enfrentá-lo: dona Tereza, sua mãe. Aliás, puxar pela memória e desafiá-la no limite, salvo engano, era o esporte que mais os encantava, para desespero da assistência.
Nas tardes de domingo, mãe e filho travavam duelos
memoráveis sobre qualquer assunto, muito embora houvesse um tema que lhes
proporcionasse prazer imenso: dizer, por ordem de arrebentação, os
dezoito nomes (todos iniciados com J) dos filhos de um casal que haviam
conhecido em Jaú, terra de meu amigo José Cássio, jornalista dos bons.
Antes de prosseguir, convém ressaltar que dezoito
foi resultado de um armistício entre as partes, após anos de guerra (quase)
sangrenta. A mãe de meu sogro jurava que o casal de Jaú tivera dezenove filhos.
Meu sogro não arredava os pés dos dezessete. Chegaram aos dezoito por
exaustão e medo de que o debate seria encerrado, por falta de
plateia. De qualquer forma, das três uma: ou rasgaram a certidão de nascimento
de um dos rebentos, ou deram vida a quem nunca a teve, ou – o que é mais
provável – a capacidade do casal fazer filhos foi superdimensionada.
Soado o gongo, a mãe do filho dava a largada:
-- Jean, José Josefa, Jina...
-- Pera aí, vó: Gina é com G, não com J, protestava uma
das netas.
-- Aquela Gina era com J, retrucava a avó, à beira
de um ataque de nervos, pela insolência da guria.
Este era um dos raros momentos em que os contendores
se uniam.
-- Aquela Gina era com J, sim. Eu também vi o
papelucho, afirmava categoricamente o filho em defesa da mãe.
Frequentemente, a contagem não batia. Ou passavam
dos vinte nomes, ou ficavam aquém dos quinze.
Mas ninguém percebia, porque ninguém prestava mais atenção na contenda.
E não seria eu, um estranho no ninho, que iria me meter a besta. (OS - atualizado em fevereiro de 2017)
***
Leia também
O PORTUGUÊS BEIJOU
A LONA,
SEM LEVAR UM MÍSERO SOCO
Nenhum comentário:
Postar um comentário