CONSULTÓRIO DO ANALISTA DE BAGÉ - FOTO: ROBERTO SILVA |
CRÔNICA DA LOUCURA
Por Mário Prata
16/05/2013
O melhor da Terapia é ficar observando os meus colegas loucos.
Existem dois tipos de loucos. O louco propriamente dito e o que
cuida do louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra. Sim,
somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete outros loucos
todos os dias, meses, anos. Se não era louco, ficou.
Durante quarenta anos, passei longe deles. Pronto, acabei diante de
um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco
confesso, que estou adorando estar louco semanal.
O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos e ficar
observando os meus colegas loucos na sala de espera. Onde faço a minha terapia
é uma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre
tem três ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer dali a
pouco. Ninguém olha para ninguém. O silencio é uma loucura.
E eu, como escritor, adoro observar pessoas, imaginar os nomes, a
profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou
palmeirenses. Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no mínimo,
criativo. E a sala de espera de um “consultório médico”, como diz a atendente
absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Paulo Coelho como ela),
é um prato cheio para um louco escritor como eu. Senão, vejamos: Na última
quarta-feira, estávamos: (1) eu, (2) um crioulinho muito bem vestido, (3) um
senhor de uns cinqüenta anos e (4) uma velha gorda.
Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o problema de
cada um deles. Não foi difícil, porque eu já partia do principio que todos eram
loucos, como eu. Senão, não estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados.
(2) O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como
o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela poltrona de vime.
Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam ou não conseguiu entrar
como sócio do “Harmonia do Samba”? Notei que o tênis estava um pouco velho.
Problema de ascensão social, com certeza. O olhar dele era triste, cansado.
Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia ser
o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez apenas a cabeça. Devia ser
um assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro. Podia
ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava olhadas furtivas para
dentro da mala assassina.
(3) E o senhor de terno preto, gravata, meias e sapatos também
pretos? Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei que tinha
um pequeno tique no olho esquerdo. Corno, na certa. E manso. Corno manso sempre
tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roía as unhas. Insegurança total, medo
de viver. Filho drogado? Bem provável. Como era infeliz esse meu personagem.
Uma hora tirou o lenço e eu já estava esperando as lágrimas quando ele assoou o
nariz violentamente, interrompendo o Paulo Coelho da outra. Faltava um botão na
camisa. Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia
ter dívidas astronômicas. Homossexual? Acho que não. Ninguém beijaria um homem
com um bigode daqueles. Tingido.
(4) Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que
bunda imensa. Como sofria, meu Deus. Bastava olhar no rosto dela. Não devia
fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria? Será que era esse o
problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a
rezar. Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto
cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada. O que deve ser dos filhos dela? Acho
que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos.
Tinha cara também de quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma
Salve-Rainha por ela, se a conhecesse.
Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu psicanalista.
Conto para ele a minha “viagem” na sala de espera. Ele ri, ri muito, o meu
psicanalista e diz: “(2) O Ditinho é o nosso office-boy. (3) O de terno preto é
representante de um laboratório multinacional de remédios lá no Ipiranga e
passa aqui uma vez por mês com as novidades. 4) E a gordinha é a Dona Dirce, a
minha mãe. E (1) você, não vai ter alta tão cedo…”
***
VEJA TAMBÉM
O Velho Marinheiro nem olhava para o orador. De costas estava para o falante, de costas permaneceu. De vez em quando, no entanto, anotava alguma coisa nas beiradas das páginas do jornal. Por Orlando Silveira
http://orlandosilveira1956.blogspot.com.br/2017/03/o-papo-furado-do-cruzadista-e-o-livro.html#comment-form
Nenhum comentário:
Postar um comentário