Graciliano Ramos (1892-1953),
um dos maiores escritores brasileiros de
todos os tempos,
foi prefeito de Palmeiras dos Índios (1928-1930).
Ele levou
para a administração pública o rigor
que o pautou na literatura e vida pessoal.
Seus relatórios ao então governador de Alagoas
deveriam ser lidos e adotados por todos
os que ingressam na vida pública.
Sua postura também.
Uma esperança tola,
evidentemente.
A seguir, trechos de sua primeira prestação de contas,
referente
ao ano de 1928.
Divirtam-se.
POR WILLIAN |
Exmo Sr. Governador:
COMEÇOS
Dos funcionários que encontrei em janeiro do ano passado restam
poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os
atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e,
sobretudo, não se enganam em contas. Devo muito a eles.
Não sei se a administração do Município é boa ou ruim. Talvez pudesse
ser pior.
RECEITA E DESPESA
A receita, orçada em 50:000$000, subiu, apesar de o ano ter sido
péssimo, a 71:649$290, que não foram sempre bem aplicados por dois motivos:
porque não me gabo de empregar dinheiro com inteligência e porque fiz despesas
que não faria se elas não estivessem determinadas no orçamento.
ILUMINAÇÃO
A iluminação da cidade custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é
minha: é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz.
CEMITÉRIO
No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação.
ADMINISTRAÇÃO
Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De
ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos
matutos, forçados pelos inspetores, que prefeitura do interior não ponha no
arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas
ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos
são badalados. Porque se derrubou a Bastilha – um telegrama; porque se deitou
uma pedra na rua – um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela – um
telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o
deputado morreu, que nós choramos e que em 1559 D. Pero Sardinha foi comido
pelos caetés.
Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas; retirei da
cidade o lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram; incinerei
monturos imensos, que a Prefeitura não tinha suficientes recursos para remover.
Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco
preciosamente guardado em fundos de quintais; lamúrias, reclamações e ameaças
porque mandei matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações,
ameaças, guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas
praças.
CONCLUSÃO
Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram
só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.
Evitei emaranhar-me em teias de aranha.
Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser
consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes
que não paguem impostos.
Não me entendi com esses...
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os
meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome. Não
me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois
anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e
prosperidade.
Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.
GRACILIANO RAMOS
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 31/03/2014
Graciliano não teria ficado um mês no cargo, em dias de hoje! Alguém tem dúvida?
ResponderExcluirEu, não: Marlene. Bjs.
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