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Romualdo
Bastos – o incansável fazedor de palavras cruzadas – estava impossível naquele
começo de tarde. O bar do Carneiro, apinhado de gente, garantia audiência para
sua falação. Não porque sua prosa interessasse aos presentes, mas porque aos
presentes interessava tomar umas e outras, além de beliscar nacos de mortadela,
de graça. Gente muito simples, sempre pronta, a clientela do Carneiro. Nessas
ocasiões, o “intelectual” de Vila Invernada, como gosta de ser chamado, prefere
não correr riscos. Abre a carteira, paga aos ouvintes umas rodadas disso e
daquilo, garante alguns aplausos e, depois, sai para os abraços.
Pela
enésima vez, Romualdo Bastos descreveu em detalhes seu método de trabalho. Com
ar sempre grave, enfatizava:
--
A curiosidade é a mola propulsora do saber. Um simples livrinho de palavras
cruzadas é capaz de transformar a vida de uma pessoa. Desde, é claro, que ela
se disponha a pesquisar, tenha disciplina e método.
Mas
o pior estava por vir. Romualdo Bastos não poupou saliva para explicar à plateia,
já meio tocada pela uca, o que, a seu ver, é a “função social” do escritor:
--
Não basta escrever bem. É preciso enfeitar o texto com citações, muitas
citações. Mais que isso: é necessário transmitir mensagens edificantes. O bom autor
não abdica do seu dever maior: orientar a sociedade. Escritores devem iluminar
os caminhos do povo. Uma boa história não pode terminar sem a célebre “moral da
história”. Nunca.
O
Velho Marinheiro nem olhava para o orador. De costas estava para o falante, de costas
permaneceu. De vez em quando, no entanto, anotava alguma coisa nas beiradas das
páginas do jornal. O que aguçou a curiosidade de Ananias e do próprio Romualdo
Bastos.
Findo
o expediente, o tribuno de boteco acertou as contas com o dono do bar, abraçou
os que ainda conseguiam ficar de pé e se foi, com o ego inflado.
Ananias
quis saber do Velho Marinheiro o motivo de tantas anotações.
--
Vou escrever um livro. Já tem até título provisório: “As Besteiras de Romualdo
Bastos”. Iluminar os caminhos do povo, moral da história. Nunca ouvi tanto
desconchavo em tão pouco tempo. Francamente, Ananias. (os)
***
Ananias, o livro é a cara do autor. Romualdo deve ter escrito aquela porcaria caçando palavras difíceis no dicionário, para impressionar os incautos. É uma escrita de cartola e pincenê, se me entende. O que poderia ser dito num único parágrafo consome páginas e mais páginas. Romualdo também abusa dos gerúndios... Por Orlando Silveira
http://orlandosilveira1956.blogspot.com.br/2017/02/de-cartola-e-pincene.html#comment-form
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