O MILHO DE SÃO JOSÉ
(Por Clóvis Campêlo) A
minha infância, a partir dos dois anos de idade, foi vivida no Pina. Ali, a
vida me deu régua e (des)compasso. Ali, vivi até os vinte e poucos anos, quando
os meus pais se separaram e seguiram rumos distintos.
Morávamos
numa casa conjugada, com três quartos e um quintal relativamente grande, onde o
meu pai costumava criar galinhas e plantar goiabeiras e bananeiras. Ele mesmo
transportava as mudas das árvores. Ele mesmo fazia as cercas que dividia a
plantação da criação, pois as galinhas, com seu metabolismo acelerado,
costumavam se alimentar do verde das árvores ainda em desenvolvimento.
No
início do mês de março, já começávamos a juntar a madeira para a cerca da parte
do terreno onde plantaríamos o milho da canjica junina. E no dia 19 de março,
dia de São José, fazíamos as covas onde os milhos eram plantados. Depois, era
só aguar e esperar que a pequena plantação crescesse e dela brotassem as
espigas que comeríamos em junho, durante as festas do meio do ano. Se a
produção fosse pequena – afinal, o quintal era bastante arenoso e um tanto
quanto impróprio para o cultivo, bastava irmos na feira do bairro ou no pátio
em frente a Igreja de Nossa Senhora do Rosário para complementar a cota
necessária.
Naquela
época, final dos anos 50 e começo dos anos 60, o Pina já era um bairro
urbanizado mas ainda muito diferente do que é hoje. Ainda era um paraíso
suburbano onde nós, os meninos de classe média, nas brincadeiras de rua e na
praia, nos misturávamos tanto com os filhos da classe média remediada (os
filhos dos doutores) quanto com os filhos dos operários, pescadores e até mesmo
dos excluídos, aqueles pais sem emprego ou sem ocupação fixa e que viviam de
biscates (o lúmpen proletariado).
Natural
de Jaboatão dos Guararapes, cidade que hoje faz parte da Região Metropolitana
do Recife, mas que no início do século passado tinha mais hábitos rurais do que
urbanos, meu pai guardara a tradição, adquirida na infância, de fazer a
plantação do milho no Dia de São José. Era quase um ritual familiar do qual
nós, os filhos homens, participávamos, nem sempre com satisfação, e do qual a
minha mãe desdenhava e não dava muita importância. Mas, éramos felizes e não
sabíamos.
Lembro
ainda que o meu pai era um homem pacato e laborioso, que gostava de cuidar da
manutenção da casa. Ele mesmo, com a ajuda minha e do meu irmão mais novo,
pintava as paredes e portas da casa, no final do ano, destinando para nós a
pintura das partes externas, como o longo muro de frente e os muros laterais,
um trabalho cansativo e extenuante, mas que nos enchia de satisfação com o
resultado final.
Os
serviços de casa por ele terceirizados, eram os concertos dos telhados e o
esgotamento da fossa (naquele tempo o bairro ainda não era saneado), serviços geralmente
feitos por seu Alfredo, um preto velho e biscateiro que nos ajudava nessas empreitadas.
A
lembrança do Dia de São José, hoje, foi só um pretexto para voltar no tempo e
viajar nas lembranças daquela época. Ainda hoje essas lembranças já fugidias, que
insisto em complementar com a imaginação, mexem comigo e com o meu equilíbrio
emocional. Ainda hoje sinto saudades do milho do Pina, que plantávamos no Dia
de São José.
Recife,
março 2015
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