-- Ananias, meu amigo: ouça o que esse Velho Marinheiro tem a lhe
dizer.
-- Pode falar. Gosto muito de ouvi-lo.
-- Não precisa puxar o saco. Todos nós somos ignorantes, porque
ignoramos muitas coisas, talvez a maioria delas. O que, às vezes, vira motivo
de angústia. Mas só os ignorantes são felizes. Agora, tem de ser um ignorante
total, porque, aí, o sujeito não tem noção de sua burrice. Então, ele dá
palpite sobre tudo, tem opiniões definitivas sobre qualquer assunto. Não tem a
menor noção do quanto é ridículo.
-- O que houve? Estou curioso.
-- Acaba de sair daqui a besta do Chico Pança. Pra variar, estava
tocado. Por mais de hora, torrou a paciência da gente, não sei se de todos,
porque muitos aqui são iguais a ele. Pior ninguém consegue ser...
-- Conheço o tipo. Mas, afinal, o que ele
disse, Velho Marinheiro?
-- Ananias: a anta desandou a falar sobre política. Disse que o
Brasil precisa de um presidente macho, que feche o Congresso e o Judiciário,
que soque a mesa e diga: “Daqui pra frente, quem manda somos eu e a junta de
generais”.
-- É um coitado.
-- Disse mais: que ele nunca votou em ninguém, que a culpa é de quem
vota. Que ele também nunca leu livro, nem perdeu tempo com jornais e revistas.
Que tudo que ele sabe – a anta não sabe nada – é fruto da vivência. E foi por
aí afora. Sempre aos berros. Ameaçou sentar-se à minha mesa.
-- E aí?
-- Aí, eu fiz o que tinha que ser feito: “Chico: não ouse, vá vender
sua estupidez incurável em outra freguesia.” Ele saiu trançando as pernas, mas
vociferando. Ananias, o Carneiro é bom sujeito, mas é muito tolerante. Estou
pensando em mudar de bar. Ou em só beber em casa. Isso aqui virou antro de
insuportáveis. Vamos tomar uma, porque
ninguém merece a prosa tola do Chico Pança. Carneiro, nossos copos estão vazios. (OS - atualizado em março de 2017)
De nada adiantaram o muxoxos insinceros: “Não faça isso, vovó”, “A senhora não me apronte uma coisa dessas”, “O bicho é perigoso”. “Vou buscar munição”, dizia o atirador fracassado. “Calem a boca”, a avó do homem da casa colocou ponto final na tragicomédia: entrou no quarto, não gastou dois minutos para acabar com o inimigo... Por Orlando Silveira
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