OVO CHOCO
Os problemas aparecem no fim de semana, o dente dói
na sexta à noite. A Lei de Murphy é verdadeira e genial
POR WALCYR CARRASCO
ÉPOCA DIGITAL – 07/03/2017 | 08h00
Passei o último Carnaval em pânico. Na quinta-feira anterior,
queimou o portão automático da garagem. Fiquei preso. Até encontrar um bom
coração para fazer funcionar no manual. Trabalho dobrado. Na sexta-feira, uma
lagartixa entrou no quadro de energia. Provocou um curto-circuito que queimou a
bomba responsável por enviar água para a caixa. Já pensou, ficar sem água no
Carnaval? Nem para escovar os dentes? Pior, com capítulos da nova novela para
escrever. Uma loucura. A duras penas encontrei um encanador que me prestou
alguns serviços no passado. Tentou comprar uma bomba nova. Não achou, tudo
fechado. Usou uma velha. Ligada provisoriamente, me salvou. (Sim, escovei os
dentes!) Mas não parou por aí. A luz acabou no bairro. Fiquei olhando o
computador no escuro, desesperado para escrever. O conserto demorou, óbvio.
Carnaval!
Um amigo me visitou. Atravessou blocos inteiros de carro. Bêbados
batiam na lataria. Mas saiu-se bem. Aqui na rua, vazia, bateu na moto do
segurança. Sem ter bebido uma gota. Está pagando o prejuízo.
– Não era para eu ter saído de casa – lamentou-se.
Eu escrevo novelas, como sabem. O autor de novelas trabalha com
prazos rígidos. Principalmente com a história no ar. É do meu texto que depende
o trabalho de bem umas 300 pessoas. Quando envio o capítulo, a produção corre
para ter os elementos necessários à cena. Se peço um cavalo branco, é preciso
arrumar um. Se é uma toalha vermelha, os cenógrafos entram em cena para
escolher a mais adequada ao perfil do personagem rico ou pobre. Os atores recebem
o texto para decorar e destrinchar as intenções das falas. O diretor rege todas
essas pessoas, decide tomadas de câmera, e mais tanta coisa que nem sei. Se não
entrego o capítulo, toda essa gente fica parada. São seis capítulos por semana.
Faço um por dia! No sétimo, eu revejo o bloco de seis capítulos. Quando perco
um dia, dificilmente sou capaz de recuperar o tempo perdido. Cada capítulo são
30 páginas!
A Lei de Murphy é verdadeira e genial.
“Tudo o que pode dar errado, dá errado”
Quando, adivinhem quando o computador resolve dar pau?
Na sexta-feira à noite, sempre. Ou sábado.
A emissora possui uma equipe contratada pela IBM para assessorar os
autores. Tem sempre alguém de plantão. Mas, vamos combinar, nunca pode ser num
dia diferente de sexta-feira ou sábado? Chamo alguém às pressas, perco no
mínimo uma noite em tensão. Dar errado é tão comum que já aprendi certas
lições. Quando tenho uma reunião importante, no Rio de Janeiro, vou um dia
antes, para não correr riscos. Atualmente, nem perco tempo indo ao aeroporto.
Choverá, certamente. O voo adiado, o caos! Vou de carro. Não é a melhor
alternativa. Mas, se algo der errado, ainda pego um ônibus no caminho e chego.
WALCYR CARRASCO/FOTO: DIVULGAÇÃO |
É a velha história daquela garota: disse ao namorado que ia fazer um
retiro de Carnaval. Foi ao baile. A televisão estava lá. E deu um close nela.
Justamente nela, um belo close, no momento exato em que o rapaz ligava a TV no
canal. Parece mentira? Já sei de vários casos assim. Para eles, para elas. Ou é
aquele amigo que nunca bebe. Uma noite insistem, toma um vinho no jantar.
Lógico, é pego pela Lei Seca. Perde a carta. Eu mesmo perdi a habilitação certa
vez sem ter cometido uma única infração. Fiz uma reforma no Rio de Janeiro. Meu
mestre de obras usou uma caminhonete velha, com caçamba, em meu nome. Foi uma
multa atrás da outra. Pagou todas. Dei os papéis de transferência de multa para
ele assinar em confiança. Perdi a carta. Fui bobo? Ele diz que mandou. Há quem
diga que toda essa papelada ficou meses parada no Detran. Mas quem teve de
fazer escolinha, exame, fui eu! Aprendi que, se confio, tenho de verificar. Exigir
cada recibo do correio. Mas, ai de mim! Não sou do tipo que gosta de viver em
permanente estado de vigilância, desconfiando de todo mundo!
Nunca vou esquecer. Outro amigo, hospedado em casa, abriu a
geladeira, pegou um ovo, fingiu que ia me atirar. Pura brincadeira. Eu agarrei
sua mão e fechei sobre o ovo. Arrebentou a casca. Estava choco. Ele ficou
coberto pelo ovo cheiroso.
De todo o supermercado, certamente era o único choco!
É o que vivo aprendendo a duras penas. Os problemas acontecem no fim
de semana, o trânsito congestiona quando a gente está louco para ir ao
banheiro, a caixa-d’água estoura quando todo mundo foi viajar. Dor de dente
aparece de sexta-feira à noite. No fim de semana em que o dentista foi à praia.
É assim a vida. A Lei de Murphy é verdadeira e genial. “Tudo o que
pode dar errado, dá errado.”
***
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