ARQUIVO GOOGLE |
SUA EXCELÊNCIA, O POVO!
No Riocentro, ao cabo de um longo discurso sobre os obstáculos
que havia superado ao longo de sua acidentada trajetória política,
Brizola defendeu o apoio ao “sapo barbudo”. Saiu aclamado
Por Ricardo Noblat
No Blog do Noblat
Em 17/10/2016 - 03h00
Na segunda-feira 20 de novembro, cinco dias depois do primeiro turno
da eleição presidencial de 1989, Leonel Brizola, então ex-governador do Rio,
convocou o deputado Miro Teixeira (PDT) para uma reunião no seu apartamento da
Avenida Atlântica.
“Você se dá bem com o Covas?”, perguntou Brizola. Miro respondeu que
sim. “Tenho uma missão especial para
você”, emendou Brizola. E disse qual era.
Mário Covas, senador eleito pelo PMDB de São Paulo, fora candidato a
presidente da República pelo recém-criado PSDB e ficara em quarto lugar.
Por uma mísera diferença de 0,67%
dos votos, Lula tirara a chance de Brizola de disputar com Fernando Collor
(PRN) o segundo turno da eleição. Brizola estava certo de que Lula seria
derrotado, como de fato foi.
A missão de Miro: convencer Covas a enfrentar Collor se Lula
renunciasse a fazê-lo. No caso, Brizola, o terceiro mais votado de um total de 22 candidatos, também renunciaria.
Miro voou a São Paulo no mesmo dia. Almoçou com Covas, defendeu a
proposta de Brizola, e ouviu dele: “Vou pôr os ouvidos nos trilhos e conversar
com alguns amigos. Respondo amanhã”.
De volta ao Rio, Miro antecipou a Brizola: “Covas não topará”. Não
topou. Apoiou Lula, como Brizola também o faria. Mas antes de fazê-lo, quis
ouvir a opinião dos seus companheiros do PDT.
Marcou duas reuniões para o sábado seguinte: uma, no fim da tarde no
seu apartamento, para a qual convidou meia dúzia de pessoas, entre elas Miro. A
outra, à noite, no Riocentro, para quem quisesse ir.
Na primeira, ouviu mais do que falou. E de Miro ouviu um comentário
curto e direto que ele levara por escrito: “O povo já foi”. Queria dizer que os
eleitores de Brizola naturalmente votariam em Lula.
Encerrada a reunião, de saída para o Riocentro onde cerca de dois
mil militantes do PDT o aguardavam, Brizola encontrou uma mulher de meia idade,
vizinha de prédio, que parecia aflita.
“E agora, governador?” – ela indagou. Foi quando Brizola usou pela
primeira vez a expressão que acompanharia Lula por muitos anos: “Agora teremos
de engolir um sapo, e um sapo barbudo”.
No Riocentro, ao cabo de um longo discurso sobre os obstáculos que
havia superado ao longo de sua acidentada trajetória política, Brizola defendeu
o apoio ao “sapo barbudo”. Saiu aclamado.
Não foi sempre que Brizola soube “ouvir os trilhos”. Miguel Arraes
(PSB), da geração dele, não soube ouvir ao se opor ao Plano Real e ao governo
Fernando Henrique: em 1998, foi surrado impiedosamente ao tentar se reeleger
governador de Pernambuco.
Mas dois anos depois, não hesitou ao decidir quem o PSB deveria
apoiar no segundo turno da eleição de prefeito do Recife.
No primeiro, a Roberto Magalhães (PFL) havia faltado menos de 0,60% de votos para que derrotasse João
Paulo (PT). “Vamos apoiar João Paulo mesmo que ele não queira”, decretou Arraes.
João Paulo derrotou Magalhães por uma diferença de 0,78% dos votos. Reelegeu-se e fez seu
sucessor. Este ano, outra vez candidato, é o único nome do PT a disputar o
segundo turno numa capital.
João Paulo deverá perder para Geraldo Júlio, do PSB de Arraes e do
seu neto Eduardo Campos, ambos já mortos.
Eduardo Paes, no Rio, ao apoiar quem a esmagadora maioria dos
eleitores rejeitava, ignorou a lição dada por Covas a Brizola. Atropelado, não
morreu porque político costuma ter muitas vidas. Mas levará muito tempo para se
recuperar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário