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DE
CONVERSA EM CONVERSA
Desconfiemos
de nossas certezas automáticas e excessivas
que
resistam ao confronto com visões alheias
Por Ana
Maria Machado
Jornal
O Globo
Via
Blog do Noblat – 15/10/2016 - 09h01
Com
o segundo turno das eleições municipais, vai se encerrando o mandato de Eduardo
Paes, e o Rio se prepara para ter novo prefeito. Vamos trocando de mãos.
Prossegue a mudança do elenco que costumávamos ter nos últimos anos.
Dilma
e seu ministério foram substituídos por Temer e seu gabinete. Em vez de Ricardo
Levandowski na presidência do STF, agora temos a ministra Cármen Lúcia.
Na
presidência da Câmara, Eduardo Cunha e Waldir Maranhão deram lugar a Rodrigo
Maia — empenhado em marcar um estilo diferente, com o qual aguarda até ter um
quórum significativo para votar decisões importantes (como fez na cassação de
Cunha) ou ensina a seus pares que o calendário e o relógio não esperam nem
recuam (jogando no colo da oposição a responsabilidade pela retirada de pauta
do projeto de repatriação de capitais).
Com
novos atores em cena, mais uma vez é hora de lembrar que convém baixar o tom
belicoso e tentarmos nos entender. De conversa em conversa. Num esforço coletivo
no sentido de não contribuir para o empobrecimento do debate nacional, bem que
se podia abandonar a tática sistemática de não ler a proposta do outro,
inventar o que se quer a seu respeito, e transformar essa falsidade numa
palavra de ordem a ser carimbada e repetida a torto e a direito.
Como
se andou (e anda) fazendo a propósito da PEC sobre o limite de gastos do
governo, a MP da reforma da educação, as ideias sobre a flexibilização da
legislação trabalhista, as sugestões para a reforma da Previdência. E até mesmo
nas reações ao STF, em franco desacordo com a máxima antes arraigada que
preconizava que decisão do Supremo não se discute, cumpre-se.
Pois
agora, xinga-se — como se viu em certos setores, depois que veio a confirmação
da prisão após condenação em segunda instância. Numa época em que torrentes de
informação se despejam sobre nós a todo instante, nem sempre é fácil buscar o
equilíbrio de um pensamento crítico. Por isso mesmo, torna-se ainda mais
importante tentar.
“No
século XX, uma observação irônica do psicólogo Carl Gustav Jung
vai
além e nos belisca: ‘Pensar é difícil, e é por isso que a maioria
das
pessoas se limita a julgar’”
O
filósofo e pedagogo americano John Dewey, estudioso do processo que leva à
formação desse tipo de pensamento, resumiu o que é essencial para que se possa
pensar bem, ao aconselhar que se alimente um estado de dúvida e se procure
desenvolver uma atitude de investigação contínua e sistemática.
Ou
seja, desconfiemos de nossas certezas automáticas e excessivas que resistam ao
confronto com visões alheias. Podem estar escondendo uma recusa em pensar
criticamente. Isso não é crime, pecado, nem sacrilégio. Apenas insistência no
autoengano, uma falsa esperteza que faz parte da natureza humana e já foi
exaustivamente estudada, dos mais diversos ângulos. Mas tem consequências que
podem ser danosas.
Como
as que sofreu Galileu Galilei, cientista que Brecht ergueu à categoria de ícone
do pensar por conta própria, perseguido pela Inquisição, defensor da verdade
frente à ignorância, questionador do antropocentrismo, responsável pelo que
talvez seja a revolução científica mais significativa da história da humanidade.
No
livro que alimentou seu processo por heresia, um dos personagens de Galileu
afirma: “A longo prazo, minhas observações me convenceram de que alguns homens,
raciocinando de modo ridículo, primeiro estabelecem em suas mentes a conclusão
que, seja por ser sua mesmo ou por ter sido recebida de alguém em quem confiam
plenamente, os impressiona de modo tão profundo que acham impossível que jamais
saia de suas cabeças. Aceitam e aplaudem imediatamente os argumentos que
apoiam essa ideia fixa a que chegaram ou que ouviram dos outros, por mais
simplória ou estúpida que seja. Por outro lado, por mais engenhoso e conclusivo
que seja, o argumento que se apresente contra ela será recebido com desprezo ou
raiva inflamada — se não os deixar doentes. Fora de si com a paixão, alguns
deles nem mesmo hesitariam em fazer o possível para suprimir e silenciar seus
adversários.”
ANA MARIA MACHADO É ESCRITORA (IMAGENS: G1) |
Isso
foi escrito por Galileu há cinco séculos. Faz lembrar o recente comentário do
jornalista J. R. Guzzo, segundo o qual Lula vem com a moral antes de contar a
fábula. Mas é apenas coincidência na observação de um tipo de raciocínio, que
se recusa a deixar espaço para o entendimento amplo da situação e para o
desenvolvimento de uma análise matizada, que permitam críticas em relação ao
próprio pensamento anterior.
No
século XX, uma observação irônica do psicólogo Carl Gustav Jung vai além e nos
belisca: “Pensar é difícil, e é por isso que a maioria das pessoas se limita a
julgar.”
Se
quisermos ajudar o Brasil a ser mais democrático e a diminuir nossas
desigualdades, cada um de nós precisa conversar mais, ouvir mais, ler mais,
abandonar a preguiça de pensar, acolher em si diferentes pontos de vista. Isto
é, se acharmos que podemos deixar o palanque para a rua e ir além do discurso
rasteiro e do deboche, em discussões primárias sobre a camisa polo do Doria
ou a renda do vestido de Marcela Temer ou em chamar de ladrão quem se veste de
vermelho. Nosso futuro e nossa gente merecem mais.
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