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ONDA FURADA
Fala-se de 'virada' à direita como se algum dia
o Brasil tivesse sido de esquerda
POR DORA KRAMER
Estadão –03/11/2016
Concluídas as eleições, inicia-se a fase das conclusões. No geral,
apressadas quando se trata de fazer projeções. A mais difundida no momento é a
que põe nas mãos do governador Geraldo Alckmin a legenda do PSDB para concorrer
à Presidência da República em 2018, como consequência da vitória em primeiro
turno de João Doria para a Prefeitura de São Paulo, da conquista de importantes
cidades no Estado e da derrota do candidato do senador Aécio Neves à prefeitura
de Belo Horizonte.
Nesses casos de A + B = C, somam-se bananas com laranjas e trata-se
a política como se fosse ciência exata ou como algo que funcione no piloto
automático. No meio, entre um acontecimento e outros há os fatos, há as
circunstâncias e há gente, espécie humana, categoria instável, sujeita aos
efeitos da chuva e das trovoadas.
Experiente no tema, Alckmin tratou anteontem de declarar algo que
certamente não pensa: que, no momento, a disputa de 2018 não está na agenda
dele nem do PSDB. É claro que está, mas é daquelas coisas que o político
precavido não assume. Entre outros motivos para não se queimar e ver se
consegue atravessar a distância entre uma eleição e outra com chance de sucesso
na tarefa de ultrapassar obstáculos.
São inúmeros. Na seara tucana há dois com nomes e sobrenomes: José
Serra e Aécio Neves. Sem contar os respectivos aliados internos e externos. O
primeiro é chanceler e um interlocutor privilegiado no PMDB. Importantíssimo
para a eventualidade da conquista desse apoio caso o partido de Michel Temer
não concorra ou não chegue ao segundo turno em 2018. O segundo é senador e
presidente do PSDB; tem a máquina, portanto. Ambos contam com visibilidade
garantida, além de não terem seus destinos ligados ao êxito ou fracasso de
alguém, como Alckmin precisa de que João Doria corresponda às expectativas do
maior eleitorado do País.
Além disso, a própria história de eleições fornece milhões de
exemplos de desconexão entre resultados bons e maus. Dois deles: em 2008,
Geraldo Alckmin não chegou ao segundo turno na eleição municipal em São Paulo,
disputada entre Marta Suplicy e Gilberto Kassab, o vitorioso; em 2014, Aécio
Neves teve menos votos que Dilma Rousseff em Minas Gerais, seu reduto
principal, mas por pouco não ganhou dela na final pela Presidência.
DORA KRAMER É JORNALISTA (AGÊNCIA. ESTADO) |
Vamos a outro caso de conclusão apressada que, aliás, dá título a
este texto: a tal da onda conservadora que supostamente varre o País. Por causa
da derrota ampla, geral e irrestrita do PT? Pela eleição de Marcelo Crivella no
Rio de Janeiro? Pela vitória de Doria?
Ora, o fiasco do PT não tem nada a ver com ideologia. Tem a ver com
corrupção e desatino na administração da economia. Ademais, quem disse que os
petistas detêm o monopólio do pensamento de esquerda? Governou com e para a
direita atrasada, tratou os mais pobres como consumidores – algo típico do
coronelato arcaico dos grotões. Além disso, seu líder máximo quando
sindicalista declarava não ser de esquerda. Lula vestiu essa roupagem quando
precisou dela para construir um partido.
Doria venceu em São Paulo por ter sabido encarnar com eficiência o
antipetismo. Crivella ganhou no Rio em boa medida pela autossuficiência do
prefeito Eduardo Paes que insistiu em apoiar um candidato eleitoralmente
inviável. De onde o segundo turno entre o bispo aposentado e um candidato visto
como representante de uma esquerda amalucada. Marcelo Freixo, convenhamos, não
chega perto de ser um Fernando Gabeira, que, aliás, perdeu de pouco para Paes
em 2008 quando, pela régua dos arautos da onda conservadora, o Brasil era de
esquerda.
Em momento algum o País teve a prevalência da corrente de esquerda.
Não nos esqueçamos: Lula só ganhou a eleição quando adaptou seu discurso ao
centro e fez uma Carta aos Brasileiros jurando fidelidade à política econômica
qualificada pejorativa e equivocadamente como neoliberal.
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