quinta-feira, 3 de novembro de 2016

CHÁ DAS CINCO: CECÍLIA MEIRELES



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HENRI MATISSE



A ARTE DE SER FELIZ



Houve um tempo em que a minha

janela se abria para um chalé.



Na porta do chalé brilhava

um grande ovo de louça azul.

Neste ovo costumava pousar

um pombo branco.



Ora, nos dias límpidos,

quando o céu ficava da mesma

cor do ovo de louça,

o pombo parecia pousado no ar.



Eu era criança,

achava essa ilusão maravilhosa e

sentia-me completamente feliz.



Houve um tempo em que a minha

janela dava para um canal.



No canal oscilava um barco.

Um barco carregado de flores.

Para onde iam aquelas flores?

Quem as comprava?



Em que jarra… em que sala,

diante de quem brilhavam,

na sua breve experiência?

E que mãos as tinham criado?

E que pessoas iam sorrir de

alegres ao recebê-las?



Eu não era mais criança,

porém minha alma ficava

completamente feliz.



Houve um tempo em que a minha

janela se abria para um terreiro,

onde uma vasta mangueira

alargava sua copa redonda.



À sombra da árvore, numa esteira,

passava quase o dia todo sentada

uma mulher, cercada de crianças.

E contava histórias.



Eu não podia ouvir, da altura da janela,

e mesmo que a ouvisse, não entenderia,

porque isso foi muito longe,

num idioma difícil.



Mas as crianças tinham tal expressão

no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos
tão compreensíveis, que eu participava do auditório, 
imaginava os assuntos e suas peripécias
e me sentia completamente feliz.



Houve um tempo em que na minha janela havia um

pequeno jardim seco.



Era um tempo de estiagem,

de terra esfarelada,

e o jardim parecia morto.



Mas todas as manhãs vinha um pobre

homem com um balde e em silêncio,

ia atirando com a mão umas gotas

de água sobre as plantas.



Não era uma rega:

era uma espécie de aspersão ritual,

para que o jardim não morresse.



E eu olhava para as plantas,

para o homem, para as gotas de

água que caíam de seus dedos magros

e meu coração ficava

completamente feliz.



Mas, quando falo dessas pequenas

felicidades certas, que estão diante

de cada janela, uns dizem que essas

coisas não existem, outros que só

existem diante das minhas janelas

e outros finalmente, que é preciso

aprender a olhar, para poder vê-las assim.



CECÍLIA MEIRELES     


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