HENRI MATISSE |
A ARTE DE SER FELIZ
Houve
um tempo em que a minha
janela
se abria para um chalé.
Na
porta do chalé brilhava
um
grande ovo de louça azul.
Neste
ovo costumava pousar
um
pombo branco.
Ora,
nos dias límpidos,
quando
o céu ficava da mesma
cor
do ovo de louça,
o
pombo parecia pousado no ar.
Eu
era criança,
achava
essa ilusão maravilhosa e
sentia-me
completamente feliz.
Houve
um tempo em que a minha
janela
dava para um canal.
No
canal oscilava um barco.
Um
barco carregado de flores.
Para
onde iam aquelas flores?
Quem
as comprava?
Em
que jarra… em que sala,
diante
de quem brilhavam,
na
sua breve experiência?
E
que mãos as tinham criado?
E
que pessoas iam sorrir de
alegres
ao recebê-las?
Eu
não era mais criança,
porém
minha alma ficava
completamente
feliz.
Houve
um tempo em que a minha
janela
se abria para um terreiro,
onde
uma vasta mangueira
alargava
sua copa redonda.
À
sombra da árvore, numa esteira,
passava
quase o dia todo sentada
uma
mulher, cercada de crianças.
E
contava histórias.
Eu
não podia ouvir, da altura da janela,
e
mesmo que a ouvisse, não entenderia,
porque
isso foi muito longe,
num
idioma difícil.
Mas
as crianças tinham tal expressão
no
rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos
tão compreensíveis, que eu
participava do auditório,
imaginava os assuntos e suas peripécias
e me sentia
completamente feliz.
Houve
um tempo em que na minha janela havia um
pequeno
jardim seco.
Era
um tempo de estiagem,
de
terra esfarelada,
e
o jardim parecia morto.
Mas
todas as manhãs vinha um pobre
homem
com um balde e em silêncio,
ia
atirando com a mão umas gotas
de
água sobre as plantas.
Não
era uma rega:
era
uma espécie de aspersão ritual,
para
que o jardim não morresse.
E
eu olhava para as plantas,
para
o homem, para as gotas de
água
que caíam de seus dedos magros
e
meu coração ficava
completamente
feliz.
Mas,
quando falo dessas pequenas
felicidades
certas, que estão diante
de
cada janela, uns dizem que essas
coisas
não existem, outros que só
existem
diante das minhas janelas
e
outros finalmente, que é preciso
aprender
a olhar, para poder vê-las assim.
CECÍLIA MEIRELES
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