AMARILDO |
PERDÃO A DIRCEU
NO MENSALÃO
BEIRA O ESCÁRNIO
O Brasil demorou demais para começar a punir pessoas acima
de um
certo nível de renda e de poder. Não deve agora se apressar
em perdoar. A
misericórdia, quando é excessiva, também corrompe
Por Josias de Souza
UOL – 17/10/2016 20:57
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal,
concedeu a José Dirceu o perdão da pena imposta a ele no julgamento do
mensalão. O grão-petista só continuará na cadeia porque foi condenado também no
petrolão. Do contrário, ganharia o meio-fio. Do ponto de vista formal, a
concessão de indulto a Dirceu segue a praxe. Na prática, a coisa roça a
fronteira do escárnio.
O caldo começou borbulhar em dezembro do ano passado, quando Dilma
assinou decreto natalino de indulto a condenados cujas penas fossem inferiores
a oito anos de cadeia, desde que tivessem cumprido um quarto do castigo. No
mensalão, Dirceu fora sentenciado a sete anos e 11 meses de cana. Cumprira dois
anos — um na cadeia, outro em prisão domiciliar, no conforto de uma casa brasiliense.
A fervura aumentou quando a defesa de Dirceu adicionou à mistura uma
petição requerendo o benefício previsto no decreto de Dilma. Em princípio, o
ex-capitão do time de Lula tinha direito ao perdão. Mas a lei impõe condições.
Entre elas o bom comportamento e a ausência de “falta disciplinar de natureza
grave.” Em fevereiro, o ministro Luis Barroso indeferiu o pedido. Entendeu que
Dirceu, pilhado também no petrolão, reincidira no crime enquanto estava preso.
O caldeirão começou a entornar com um parecer emitido em junho pelo
procurador-geral da República Rodrigo Janot. Nele, o chefe do Ministério
Público Federal anotou que Dirceu teria cometido os crimes apurados na Operação
Lava Jato apenas até o dia 13 de novembro de 2013. E sua prisão no mensalão
ocorreu em 15 de novembro de 2013. Nessa versão, o personagem era um bandido
incorrigível até dois dias antes de sua prisão. Depois disso, revelou-se um
prisioneiro irrepreensível, exemplar, digno de perdão.
No petrolão, Sérgio Moro já condenou Dirceu a 23 anos e três meses
de reclusão. Somando-se a sentença do juiz da Lava Jato à pena do mensalão, o
ex-ministro de Lula carregava sobre os ombros, em silêncio, penas que somavam
31 anos e dois meses de reclusão. Com o indulto, livrou-se do que lhe restava
da pena imposta pelo Supremo Tribunal Federal.
No despacho em que aliviou a carga de Dirceu, o ministro Barroso
anotou que a exacerbação das penas não é o caminho para corrigir as falhas do
regime prisional brasileiro. Mas reconheceu: “O excesso de leniência privou o
direito penal no Brasil de um dos principais papeis que lhe cabe, que é o de
prevenção geral. O baixíssimo risco de punição, sobretudo da criminalidade de
colarinho branco, funcionou como um incentivo à prática generalizada de
determinados delitos.”
Como aceitar a ideia de que Dirceu merece perdão depois de saber que
ele reincidia no crime de corrupção antes mesmo do término do célebre
julgamento do mensalão? Ora, francamente! O Brasil demorou demais para começar
a punir pessoas acima de um certo nível de renda e de poder. Não deve agora se
apressar em perdoar. A misericórdia, quando é excessiva, também corrompe.
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