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PRIVATIZAR
CEMITÉRIOS,
POR
QUE NÃO?
Governos
Lula e Dilma promoveram uma tal destruição
da gestão
estatal que o pessoal imagina:
nada
pode ser pior que isso
Por
Carlos Alberto Sardenberg
Blog
do Noblat – 13/10/2016 - 15h04
Publicado
em O Globo
Corria
a campanha eleitoral de 2006 quando Lula, então candidato à reeleição, começou
a dizer que seu adversário no segundo turno, Geraldo Alckmin, do PSDB,
pretendia privatizar as grandes estatais, incluindo Petrobras e Banco do
Brasil. Verdade que Alckmin não colocara nada disso no seu programa, mas a
história fazia sentido.
O
candidato tucano havia sido presidente de um programa paulista de
desestatização, na gestão de Mário Covas, que arrecadara nada menos que R$ 32
bilhões para equilibrar as finanças públicas e para gastos sociais. E ele
mesmo, quando governador, lançara planos de privatização ainda em 2005, a
apenas um ano da campanha presidencial.
Como
haviam sido programas bem-sucedidos, esperava-se que Alckmin partisse para o
ataque, por exemplo, denunciando o excesso de estatização, e ineficiência do
governo do petista. Reparem: já havia estourado o mensalão, com o uso abusivo
do Banco do Brasil para falcatruas. E a Petrobras já era pelo menos mal falada.
Pois
não é que o tucano aparece no dia seguinte com uma jaqueta especialmente
desenhada pelos seus marqueteiros que exibia os logos da Petrobras, Banco do
Brasil, Caixa e Correios? Na cabeça, um boné amarelo berrante do BB. E, para
ser mais incisivo no seu papel de grande defensor do Estado, Alckmin acusou
Lula de vender a Amazônia e, pior ainda, para investidores privados
estrangeiros.
Entregar
a terra adorada ao imperialismo! Seguiu-se o instrutivo debate: — Privatista! —
Não ofende, privatista é você! — Calúnia, nunca vendi nada. — Vendeu sim.
Curioso
que Lula havia vendido dois bancos estaduais, do Maranhão e do Ceará — aliás,
bem privatizados. Mas ele nem se lembrava disso, é claro. De todo modo, como a
pecha de privatizante caía melhor num tucano, Alckmin pagou essa conta.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG É JORNALISTA |
Passam-se
os anos, e chegamos à campanha para prefeito de São Paulo. João Doria,
candidato apoiado pelo agora governador Alckmin, anuncia que vai vender o
Parque Anhembi (um centro de exposições), o Sambódromo, o Autódromo de
Interlagos, o Estádio do Pacaembu, além de conceder à iniciativa privada linhas
e estações de metrô e ônibus.
O
candidato petista, o prefeito Fernando Haddad, reagiu como Lula em 2006.
Denunciou num debate: o tucano quer privatizar até os cemitérios! Essa não! —
pensei. Agora vai o Doria aparecer com uma jaqueta cheia de logos: Cemitério do
Araçá; Velório da Quarta Parada; Crematório da Vila Alpina. O boné, preto,
claro, com a marca do Serviço Funerário, um serviço do Estado para os mortos.
Novos
tempos, porém. João Doria continuou com seu blazer ou a malha com o nó na
frente, sem boné. E repetiu que ia mesmo fazer uma ampla privatização. Parece
que não incluiu os cemitérios na lista de vendas/concessões. Não terá sido por
ideologia, mas por falta de compradores. Os cemitérios municipais de São Paulo
estão degradados, lotados e com sepulturas já vendidas. Em resumo, o negócio
não é bom. A menos que se aprove legislação permitindo a construção de prédios
de túmulos, o que aumentaria a capacidade de oferta.
Enfim,
um outro debate. Mais fácil vender o Anhembi. Os leitores e leitoras podem
achar que estou de brincadeira. Mas não. Esse episódio foi um dos principais
sinais da mudança vista na eleição municipal em muitos lugares e especialmente
em São Paulo. A acusação de privatista — que fizera Alckmin protagonizar um dos
momentos mais ridículos da política brasileira — nem foi considerada.
“Se
os liberais tivessem defendido suas ideias, ou se houvesse liberais dispostos,
não teria sido preciso que o PT destruísse estatais para demonstrar a ineficácia
do Estado”
Ninguém
considerou um escândalo quando Haddad denunciou a suposta venda dos cemitérios.
Muitos paulistanos certamente se lembraram que os cemitérios privados são
incomparavelmente melhores que os municipais. Inclusive para os mortos. Nos
particulares, por exemplo, não há depredação ou roubo de túmulos.
E
por falar nisso tudo, o governador Geraldo Alckmin, de novo possível candidato
tucano à Presidência da República, está com um outro programa de privatização.
Pretende conceder algo como 60% da rede do metrô e nada menos que 25 parques,
entre outras coisas. O governo Temer já está privatizando, com as vendas de
ativos da Petrobras. Sabem a quem devemos esse triunfo da agenda liberal?
Já
adivinharam. Ao PT, claro, aos governos Lula e Dilma, que promoveram uma tal
destruição da gestão estatal que o pessoal imagina: nada pode ser pior que
isso. Mas foi uma pena, e custou muito ao país que essas ideias — redução do
Estado, controle de gastos públicos, privatizações e concessões — tenham
voltado pelos piores motivos.
José
Serra, quando candidato presidencial tucano, em 2002, também se recusou a
defender as privatizações do governo FHC, que ficaram órfãs por todo esse
tempo. Se os liberais tivessem defendido suas ideias, ou se houvesse liberais
dispostos, não teria sido preciso que o PT destruísse estatais para demonstrar
a ineficácia do Estado.
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