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DOS NOSSOS
MALES
POR
ROBERTO DAMATTA
O
GLOBO - EM 02/11/2016
No
Brasil, o problema é como acabar de vez com o “Você sabe com quem está
falando?”, esse brasileirismo inventado como último recurso hierárquico e
escravista contra a igualdade republicana que obriga a entrar na fila, ser
parado por um guardinha qualquer, ser compelido a responsabilidade quando se
ocupa um cargo público e — eis o escândalo dos escândalos — ser enjaulado por
um crime porque a lei vale mesmo para todos, e a igualdade perante e lei acaba
com os privilégios.
Antes
de sermos presidentes, ministros, juízes, senadores e donos de grandes
empresas, somos todos cidadãos. Mas como lidar com a contradição que transforma
um eleito pelo povo com o nosso dinheiro numa superpessoa acima da lei? Ontem
ele pedia votos, hoje — eleito por meio de um fundo partidário! — ele acha
legítimo assaltar os cofres públicos.
É
desprezível essa batalha judicial (mistificada como política) para manter
privilégios. Estou convencido de que o discurso quase sempre vazio que enquadra
as pessoas no velho dualismo de direita e esquerda dissimula muito mal o cerne
da questão: somos uma sociedade dividida entre aristocratas (ancorados no
Estado) e babacas — as pessoas comuns. Os que conhecem os limites dos seus
papéis sociais e, com o seu trabalho, sustentam um palacianismo kafkiano de
direita e de esquerda, duro de eliminar.
Somos
os últimos escravos...
Roberto DaMatta é
antropólogo
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