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INVESTIGAÇÃO DO TSE EXPÕE
SUBMUNDO DAS FINANÇAS ELEITORAIS
Inspeção em campanha da chapa Dilma-Temer mostra gasto
de R$ 416 mil com caminhada de um quilômetro
Por José Casado
Publicado em O Globo
Via Blog do Noblat
16/10/2016 - 03h00
Na mesa havia uma montanha de dinheiro: R$ 14 bilhões em contratos, 80%
financiados pelo banco estatal BNDES, para a construção da Usina de Belo Monte,
no Pará, uma das maiores hidrelétricas do mundo.
O governo Lula decidira obrigar as empreiteiras concorrentes a se
juntar num consórcio liderado pelos grupos Andrade Gutierrez, Odebrecht e
Camargo Correa. Otávio de Azevedo Marques, então presidente do grupo Andrade
Gutierrez, não esquece daquele outono de 2010: “Eu fui chamado pelo deputado,
ex-ministro Antonio Palocci, para uma reunião. Na época ele não era ministro,
né? Trabalhava na arrecadação de fundos da presidente Dilma, futura presidente,
candidata.”
A conversa foi objetiva, contou dias atrás a Herman Benjamin,
juiz-corregedor do Tribunal Superior Eleitoral: “Ele me disse que aquela
escolha, feita pela ministra Erenice (Guerra, chefe da Casa Civil na época),
precisaria ter um entendimento de que havia um projeto político para ser
apoiado. E que nós deveríamos recolher 1%
do valor dos nossos faturamentos naquele consórcio: 0,5% para o PT e 0,5%
para o PMDB.”
As empresas privadas pagaram na proporção da sua participação no
negócio, relatou o executivo. À Andrade coube uma fatura de R$ 20 milhões. “Também pagaram nos
outros projetos federais?”, quis saber o juiz-auxiliar Bruno Cesar Lorencini,
referindo-se às obras em rodovias, ferrovias e aeroportos. “Também houve
contribuições”, confirmou o executivo.
O dinheiro de empresas investigadas por corrupção em contratos
públicos irrigou o caixa das campanhas da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer
(PT-PMDB) nas eleições de 2010 e 2014. Algumas usaram métodos convencionais de
lavagem. Outras, como a Andrade, preferiram disfarçar pagamentos como doações
eleitorais.
Recursos fartos levaram a um recorde de gastos. Nunca uma campanha
presidencial foi tão cara quanto a de 2014. A chapa Dilma-Temer liderou nos
votos e na gastança: declarou despesas equivalentes a R$ 514,2 milhões (valor atualizado pelo índice IGPM/FGV). A
oposição achou que a derrota foi provocada pelo “abuso de poder econômico” do
governo e pediu uma devassa nas contas.
Há 21 meses a Justiça investiga a origem e o destino desses
recursos. Financiamento eleitoral ilícito é punível com a cassação dos eleitos.
Desde o impedimento de Dilma, em maio, o processo avança no TSE com um único
alvo: o antigo vice-presidente. Numa ironia da história, Temer, o sucessor de
Dilma, hoje é um presidente “sub judice” — por iniciativa do seu principal
avalista político, o PSDB. O inquérito sobre o caixa da campanha presidencial
de 2014 está expondo em detalhes, pela primeira vez, como funciona o submundo
dos negócios e das finanças eleitorais.
Na quinta-feira, por exemplo, o TSE resolveu decretar a quebra do
sigilo de três gráficas (Red Seg, Focal e VTPB). Juntas, teriam sido
responsáveis por 15% dos gastos
totais declarados pela chapa DilmaTemer na eleição de 2014. A documentação
coletada mostra o seguinte: do total de despesa declarada pela chapa PT-PMDB
com serviços dessas empresas (R$ 77
milhões, em valores corrigidos), o tribunal só conseguiu comprovar
regularidade sobre 21% (R$ 16,1 milhões).
Significa que só existem comprovantes fiscais para R$ 16 de cada R$ 100 gastos pela chapa Dilma-Temer nessas gráficas. Dois terços
desses gastos da chapa Dilma-Temer foram concentrados em gráficas (Focal e
VTPB) que não dispunham de empregados ou maquinário suficiente e multiplicaram
por dez seu movimento de caixa com “serviços” ao PT e PMDB nas eleições
presidenciais de 2010 e 2014.
Criada como empresa de “banca de jornais e revistas”, a VTPB se
transformou em “impressora de material publicitário” em julho de 2014, às
vésperas da campanha eleitoral. É controlada por Beckembauer Rivelino de
Alencar Braga, filiado ao PT paulista, segundo o TSE. Já a Focal tem como
controlador Carlos Alberto Cortegoso, militante do PT mineiro com histórico em
inquéritos sobre lavagem de dinheiro na política.
Foi personagem no caso do mensalão, delatado pelo publicitário
Marcos Valério Fernandes, que repassou-lhe R$
1 milhão (valor atualizado). Cortegoso também aparece em dois processos
sobre corrupção em curso na Justiça Federal, em Curitiba. Num deles figura como
receptor de sete imóveis do pecuarista José Carlos Bumlai, que se confessou à
Justiça como o “trouxa perfeito do PT” em negócios ilícitos com a Petrobras.
Em outro foi delatado como intermediário da empresa Consist na
lavagem de R$ 67 milhões para o PT (80% obtidos na cobrança de taxas ilegais
sobre empréstimos consignados tomados por servidores do Ministério do
Planejamento). Ao conferir as despesas declaradas pela chapa Dilma-Temer em
2014, peritos judiciais estranharam pagamentos elevados por alguns “serviços”
em eventos de campanha.
À Focal, por exemplo, pagou-se R$
204 mil pela “organização” de um “comício de Michel Temer na quadra da
Portela”, no Rio. E R$ 431 mil pela
“organização” de uma “coletiva de imprensa no Hotel Royal Tulip Brasília” para
Dilma. Os documentos apresentados para justificar gastos de R$ 77 milhões com as gráficas são
sugestivos. A “organização” de carreatas custou R$ 390 mil em Aracaju, R$
204 mil em Campinas e R$ 138 mil
em Padre Miguel, no Rio.
Gastou-se R$ 322 mil para
“organizar” uma caminhada de Dilma em Canoas (RS). Outros R$ 416 mil num percurso de 1,3
mil metros no Centro do Recife, e R$
127 mil em 500 metros da rua
Barão de Itapetininga, em São Paulo. Cobrou-se R$ 404 mil pela “organização” de um encontro de Dilma com
estudantes em Maceió. E R$ 314 mil pela
reunião com artistas no Leblon, Rio. E um “ato pela Igualdade Racial”, em Nova
Lima (MG), custou R$ 302 mil.
Os preços da “organização” de comícios oscilaram entre R$ 433 mil (Guaianases, SP), R$ 639 mil (Goiânia) e R$ 719 mil (Ceilândia, DF). Nesses eventos,
supostamente, foi consumida parte dos 693 milhões de santinhos da chapa
Dilma-Temer que teriam sido impressos por uma das gráficas sob investigação.
Volume suficiente para distribuir três panfletos a cada brasileiro, com ou sem
título de eleitor.
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