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O FAROL BAIXO DE
ANANIAS
(Por Orlando
Silveira) Ananias está naquela fase da vida em que lembranças
e questionamentos são, praticamente, inevitáveis. Num dia, orgulha-se de ter dito
muitos “nãos”, de nunca – ao menos até onde sua memória alcança – ter aberto
mão daquilo que julgava correto, do ponto de vista ético, para obter vantagens
econômicas. Noutro dia, baixa o farol e se questiona se não tinha sido apenas
besta. Afinal, passou a vida numa pindaíba daquelas, enquanto vários colegas de
trabalho enricaram. Em certos momentos, ele tem orgulho de sua trajetória; em
outros, vai ao fundo do poço sem fundo da tristeza, acha que sua história não é
digna de um saco de lixo.
O fato é que o dilema tardio de Ananias – deveria ter feito isso ou
deveria ter feito aquilo? – começou a torrar a paciência zero do Velho
Marinheiro, que, a bem da verdade, é o único que se dispõe a ouvi-lo, pela
simples razão de que dele gosta. Por quais motivos? Ninguém sabe bem. Há
preferências que são quase inexplicáveis.
Naquela tarde fria e garoenta, Ananias ameaçou retomar a cantilena,
mas foi interrompido de pronto pelo Velho Marinheiro, em dia de pouco papo:
- Escuta aqui, Ananias. Essa coisa de ficar toda hora remoendo o
passado não leva ninguém a lugar algum. Só torra a paciência dos ouvidos
alheios. Não dá para voltar no tempo. Eu já lhe disse: o passado mais machuca
que ensina. Ora, você agiu de acordo com sua consciência. Fez bem. Mas não há –
todo mundo sabe – almoço de graça. Se lhe serve de consolo, vamos lá: os meios
qualificam ou desqualificam os fins. Preciso desenhar? Agora, vamos mudar de
assunto. Deolinda está chegando. Espero que o decote de hoje seja generoso,
como costuma ser. Vamos tomar uns tragos, comer bolinhos de arroz e assuntar
bobagens. Ok?
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