SARNEY: UM PULHA SE PASSANDO POR VASSALO |
“PRESIDENTA”
É PALAVRA SÓ USADA POR GENTE
QUE
FLEXIONA A ESPINHA COM MAIS DESTREZA
QUE GINASTA
OLÍMPICO
(Por Augusto Nunes) “Estou aqui falando como linguista”, avisa na primeira linha o
comentário enviado à coluna por Rafael Brandão.
A frase é uma variação do velho “Sabe com quem está falando?” No
caso, é fácil saber que estou falando com ─ melhor: estou ouvindo por escrito ─
uma sumidade em língua portuguesa, um doutor em anacolutos, assíndetos,
hipérboles, pleonasmos, metonímias e verbos irregulares, fora o resto.
“Presidenta é um termo CORRETO e é aceito tanto em registros
lexicográficos mais antigos quanto nos contemporâneos da língua”, começa a
aula.
As maiúsculas que engordam e elevam a estatura do adjetivo “correto”
(CORRETO parece mais corpulento, mais musculoso) gritam a advertência: quem
duvida da afirmação corre o risco de levar uma surra de ponto de exclamação,
usado ora como borduna ora como bengala por linguistas enfurecidos. Afinal, faz
mais de 100 anos que presidenta virou verbete de dicionário (“registro
lexicográfico”, prefere Rafael Brandão).
“A flexão de gênero em termos como presidenta, contenta etc., está
presente em três dos idiomas neolatinos: português, espanhol e italiano”,
prossegue o mestre, dispensando-se de ressalvar que a maioria das nações cujos
idiomas oficiais são neolatinos optou pelo exemplo da França, que mantém o
Madame le Président.
A aula de falsa erudição é encerrada com um pito amplificado pelo
cortejo de maiúsculas: “Portanto, pessoas, PAREM DE ATRIBUIR QUESTÕES FILOLÓGICAS
A PARTIDOS POLÍTICOS. Pois no final das contas, se tornam arrogantes vocês, que
opinam sem saberem sobre o que falam”.
AUGUSTO NUNES É JORNALISTA |
Os idiotas estão por toda parte, alertou Nelson Rodrigues há quase
50 anos. E andam proliferando como nunca no mundo da linguística, informa o
conteúdo do texto e confirma aos berros a última frase. Falta uma vírgula
depois de “Pois”. O “vocês” se sentiria bem mais confortável se estivesse
alojado entre a vírgula e o “se”. E esse “opinam sem saberem” é um pontapé no
idioma de dar inveja a Dilma Rousseff. Brandão não sabe que o certo, o CORRETO,
é “saber”. No singular.
Enquanto o companheiro linguista estuda o que fazer com verbos e
plurais, tratemos do que interessa. Como todo brasileiro alfabetizado, sei
desde sempre que não é errado dizer ou escrever “presidenta”: a palavra existe.
Como todo brasileiro sensato, sei desde os tempos de colegial que o status de
verbete de dicionário não torna certos termos menos ridículos. (Ninguém chama o
marido ou a mulher de “consorte”. Noiva nenhuma admite ser qualificada de
“nubente”)
E sei sobretudo, como todo brasileiro que não renunciou à altivez,
que “presidenta” é palavra usada só por gente que flexiona a espinha com mais
destreza que ginasta olímpico. O tratamento que Dilma exigiu ao instalar-se no
planalto é um exotismo que virou distintivo dos sabujos, dos vassalos, dos
servis, dos bajuladores e de outras ramificações da tribo dos subalternos
incuráveis.
Para alívio de quem preza a língua portuguesa, presidenta tem data
marcada para morrer. Ainda que permaneça homiziada em dicionários, a
invencionice não sobreviverá ao sepultamento político de Dilma Rousseff. E
então será restaurado em sua plenitude o bom e velho “presidente”, substantivo
de dois gêneros que designa alguém ─ homem ou mulher ─ que preside alguma
coisa. Pode ser uma empresa. Pode ser uma organização criminosa.
E também pode ser um governo que, disfarçado de instituição
republicana, age como se fosse um bando de delinquentes.
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