sexta-feira, 19 de agosto de 2016

CHÁ DAS CINCO: LYGIA FAGUNDES TELLES

PENSAMENTOS

FOTO: REVISTA CLÁUDIA
Não há gente completamente boa 
nem gente completamente má,
está tudo misturado e a separação é impossível.
O mal está no próprio gênero humano,
ninguém presta. Às vezes a gente melhora.
Mas passa.

***
Mordo o último biscoito e respiro estimulada.
Aí está onde eu queria chegar:
milhares de coisas estão subentendidas.
Nas entrelinhas. O lado omisso.
Quero a verdade, M.N., meu amado,
escuta, entenda isso, quero a verdade.
E você sugere reticências. Omissões.

***
Descobri outro dia que a gente só se mata por causa dos outros,
para fazer efeito, dar reação, compreende?
Se não houvesse ninguém em volta para sentir piedade,
remorso e etc. e tal,
a gente não se matava nunca.
Então descobri um jeito ótimo, me matar e continuar vivendo.
Largo meus sapatos e minha roupa na beira do rio,
mando cartas e desapareço.

***
Enriqueço na solidão:
fico inteligente, graciosa e não esta feia ressentida
que me olha do fundo do espelho.
Ouço duzentas e noventa e nove vezes o mesmo disco,
lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento,
abro todos os portões e quando vejo a alegria está instalada em mim.

***
Estranho, sim.
As pessoas ficam desconfiadas, ambíguas diante dos apaixonados.
Aproximam-se deles, dizem coisas amáveis,
mas guardam certa distância,
não invadem o casulo imantado que envolve os amantes
e que pode explodir como um terreno minado,
muita cautela ao pisar nesse terreno.
Com sua disciplina indisciplinada,
os amantes são seres diferentes
e o ser diferente é excluído porque vira desafio, ameaça.
Se o amor na sua doação absoluta os faz mais frágeis,
ao mesmo tempo os protege como uma armadura.
Os apaixonados voltaram ao Jardim do Paraíso,
provaram da Árvore do Conhecimento e agora sabem.


(DEZEMBRO DE 2013)

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