FOTO: CLÓVIS CAMPÊLO |
O POETA E O MACARRÃO
(Por Clóvis Campêlo) A
Praça da Independência, no bairro do Santo Antônio, no centro histórico do
Recife, é uma das praças mais antigas da cidade. Segundo consta, durante o
domínio holandês, aparecia nos mapas da época o local denominado Terreiro dos
Coqueiros. Depois, mudou de denominação por várias vezes, sendo chamada de
Praça Grande, Praça do Comércio, Praça da Ribeira e Praça da Polé. Em 1816,
após uma reforma, mudou de denominação para Praça da União. Finalmente, em
1833, recebeu o nome atual de Praça da Independência. Porém, por abrigar
durante muitos anos o prédio do jornal Diário
de Pernambuco, o jornal mais antigo da América Latina ainda em circulação,
e seguindo o gosto popular sempre foi chamada de Pracinha do Diario.
É
lá, entre tantos outros bustos e esculturas, que se encontra a estátua do poeta
pernambucano Carlos Pena Filho. Sentado numa mesa, de frente para a Igreja
Matriz de Santo Antônio, e muito próximo ao local onde funcionou o Bar Savoy,
reduto frequentado pelo poeta e pelos boêmios da sua geração.
Hoje,
já não existe mais o Savoy e o prédio do Diário encontra-se abandonado e
decadente, como de resto toda aquela área, abandonada pelo poder público e pelo
poder econômico.
FOTO CLÓVIS CAMPÊLO |
Apodrece
o centro do Recife e quase não há mais vestígios da suntuosidade de décadas
atrás, quando ainda éramos uma cidade previsível e cuidadosa com as suas
relíquias culturais e históricas. A praça hoje, na sua maioria, é frequentada
por prostitutas decadentes, pelo comercio informal e pelo lúmpen ocioso, além
de eventuais larápios e descuidistas. Afinal, o que teria esse povo a ver com
um poeta falecido nos anos 60 e totalmente dele desconhecido? Como respeitar
essa imagem que não lhes comunica absolutamente nada?
Assim,
como aconteceu com outras escultura do Circuito da Poesia no Recife, a
escultura do poeta Carlos Pena Filho já teve um dos braços arrancados e o nariz
fraturado. Afinal, ocupa um lugar que hoje já não lhe diz mais respeito.
Invadido pelo povo periférico e pelos excluídos, em nada com eles se
identifica.
Segundo
os estudiosos do poeta, a poética de Carlos Pena Filho, é carregada de
oralidade e musicalidade, possuindo forte apelo pictórico. Visual e plástico, o
poeta “pinta” o poema com palavras. Dono de um lirismo envolvente, é um poeta
de imagens plásticas onde se destaca a cor, o movimento e a luz. Escreveu
vários poemas tendo nos títulos a palavra retrato e cerca de uma centena
contendo os nomes das cores ou referências a elas. Morreu ainda muito jovem,
aos 31 anos, envolvido em um acidente de trânsito, quando o trânsito no Recife
ainda era domesticado e possível.
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A
agressividade contra a escultura do poeta, demonstrada pelos transeuntes
frequentadores da Pracinha do Diario, inocentes mas não tão desprovidos de
periculosidade, talvez seja explicada pelos sociólogos de plantão. O poeta,
imortalizado em pedra, continua lá insone, apático e inerte, a mercê do
vandalismo gratuito.
Mas
nem sempre a interferência é destrutiva, embora possa continuar sendo
desrespeitosa. Essa semana que começa a se findar, ornamentaram a cabeça do
poeta com uma porção de macarrão cozido com colorau ou molho de tomate (não sei
se o populacho curte tamanho refinamento...).
Para
um poeta que sugeria imagens com as suas palavras, ter a sua imagem ornamentada
com os carboidratos do macarrão, nos inspirou a escrever a presente crônica,
além de fazer o devido registro fotográfico como prova cabal do "crime'
cometido e protegido pelo anonimato das ruas.
Ao
vencedor, as batatas! Ao poeta pernambucano, esquecido e com a escultura
abandonada à própria sorte, macarrão ao molho de tomates. Recife, agosto 2016
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