terça-feira, 9 de agosto de 2016

COISAS DA VIDA

FREI DAMIÃO

A MUDANÇA

(Por Violante Pimentel) Há várias décadas, as santas Missões de Frei Damião de Bozzano chegaram a uma conhecida cidade do interior do Rio Grande do Norte. Grandes multidões de fieis acompanhavam as procissões pela madrugada, ouvindo as pregações do santo frade capuchinho, como se estivessem ouvindo o próprio Jesus Cristo falando. Os matutos tinham certeza de que Frei Damião era filho do Papa.

O povo ouvia as palavras vibrantes do frade, e ficava assustado quando ele dizia que os amancebados e as prostitutas iriam arder no fogo do inferno. As santas Missões conseguiam realizar, na Igreja católica, casamentos coletivos, de casais que viviam amasiados, faziam turnos de confissões masculinos e femininos, batizados, crismas, e aos domingos havia a 1ª Comunhão, num ato festivo.

Durante um de seus sermões, Frei Damião anunciou que tinha recebido um "abaixo-assinado", dos fieis que frequentavam a Igreja, pedindo-lhe que exigisse que o prefeito da cidade determinasse o fechamento de um antigo cabaré que havia no centro da cidade, ou a sua mudança para outro local.

O próprio prefeito costumava frequentar o cabaré e, por demagogia, tratava as meninas e a proprietária como suas amigas e eleitoras fieis. As beatas, os idosos e as pessoas enfermas aprovaram a ideia imediatamente. No entanto, os frequentadores do cabaré, as mulheres livres, alguns políticos e as prostitutas ficaram preocupados com o destino que lhe seria dado.

Os boêmios e frequentadores do cabaré ficaram revoltados com a proposta feita ao prefeito José Percílio, que nunca fora homem de Igreja. Só ia mesmo à festa da Padroeira, para fazer média junto aos eleitores. Apesar de não ter ouvido o sermão de Frei Damião, um correligionário seu, logo depois da missa, correu até sua casa e lhe passou o serviço completo. O homem  sentiu-se entre a cruz e a espada. Na prefeitura, José Percílio recebeu a visita de um grupo de freiras franciscanas, do Colégio Medalha Milhagrosea, e uma comissão de Mulheres da Ação Católica, para pressioná-lo a atender ao apelo de Frei Damião. À noite, discretamente, José Percílio foi ao cabaré. Pediu a opinião da proprietária, conhecida por Baronesa.

Sem pestanejar, a veterana das "meninas" falou:

- A mercadoria que nós vendemos, ela é procurada em qualquer lugar. Tanto faz ser aqui ou na frente da prefeitura, pois os homens vem atrás de nós.

Foto do perfil de Violante Pimentel
Violante Pimentel é procuradora 
aposentada do Rio Grande do Norte


Valeu a palavra de Baronesa, e José Percílio saiu mais aliviado. As mais novas e mais bonitas não queriam ficar tão longe do centro da cidade, porque nem todos os fregueses tinham carro. Se o bordel ficasse longe, a clientela iria diminuir. Algumas já pensavam até em fazer uma greve de sexo, cruzando as pernas contra os correligionários do prefeito e até contra o mesmo. Uma conspiração se instalava na cabeça das operárias do sexo.

Pouco tempo depois, José Percílio comprou um terreno, na saída da cidade, e construiu um bordel, com quartos para todas as "meninas", um salão de danças e um bar.

Houve a mudança, e logo a vida das prostitutas voltou ao normal.

Logo que tomou conhecimento da atitude do prefeito, Frei Damião voltou à cidade e fez uma procissão, indo da Igreja até à frente do novo cabaré, onde rezou uma missa e rogou aos céus para que aquelas “infelizes mulheres” deixassem a vida da prostituição, o mais breve possível, para evitar que ardessem no fogo do inferno...

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