O PORTUGUÊS BEIJOU
A LONA,
SEM LEVAR UM MÍSERO SOCO
(Por Orlando Silveira) Minha sogra era calada, mais observava que falava. Raramente, dava palpites sobre assuntos que não dominava, ainda mais se da conversa participassem estranhos. Preferia coar um café e preparar uns croquetes impagáveis. Meu sogro era o exato oposto. Adorava uma polêmica. Desconhecimento do assunto jamais o impediu de expor suas opiniões definitivas sobre tudo. Falava pelos cotovelos. Não perdia a oportunidade de maldizer o comunismo e Adhemar de Barros, só para enaltecer Jânio Quadros. A experiência me ensinou que, ao lhe dizer “bom-dia”, era prudente puxar uma cadeira. A prosa sempre ia longe.
Domingo à tarde, fui namorar. Sabiá estava linda demais. Logo em
seguida, minha sogra veio até o portão, me cumprimentou, perguntou se não
queria um café e uns bolinhos, virou-se para a filha e disparou:
-- Teu pai não se emenda. Há duas horas ele não para de falar, só
ele fala. Do português não se ouve um pio. Que mania de falar tanto!
O português em questão era português mesmo. Chegara da Terrinha e
fora até a casa de meus sogros para conhecer o filho de minha cunhada, como
convém a todo tio-avô amoroso. Segundo relato de minha sogra, o português até
que resistiu bem à mudança de fuso horário. Mas, como veríamos logo a seguir,
sucumbiu ante a falação de meu sogro.
E por falar em sogro, lá veio ele até o portão. Minha sogra não se
aguentou:
-- Você deixou o homem sozinho na sala? Que falta de educação!
-- Ele dormiu. O que você quer que eu faça? Até que tentei
acordá-lo. Continuei falando. Qual o quê! O português tem sono pesado. O pior é
que vai acordar com a camisa babada.
Aceitei o convite de minha sogra para saborear os croquetes. E puxei
uma cadeira. A “vítima” agora era eu. Tenho para mim que o português já estava
acordado, mas lhe faltava coragem para dizer “até logo”. A chance de meu sogro
engatar nova conversa não era desprezível. O português era luso. Não era leso. (janeiro de 2013)
As suas "Quase histórias" são realmente impagáveis! Maravilha!
ResponderExcluirCaramba, Vólia: muito obrigado. É um prazer ter uma escritora de seu gabarito como colaboradora do Blog do Lando. Bjs.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir