ACORRENTADO
(Por Otávio Nunes) Valdemário chegou na plataforma da estação Sé do Metrô no momento
em que um trem se aproximava com destino ao Jabaquara. Enquanto as pessoas
saíam e entravam na composição, ele pensou sobre o ato que estava por fazer.
Não tinha outro jeito. Num só dia perdera o emprego e a namorada. Precisava
tomar uma atitude.
Quanto ao serviço, não se importava. Era um simples faxineiro de
hospital. Mas perder Valcinéia, com quem namorava havia três anos, era muito
dolorido. Néia era a razão da sua vida. Planejava casar assim que arrumasse um
emprego melhor que limpar quartos de doentes.
Esperou todos entrar no trem. Abriu a mochila e pegou a corrente e o
cadeado. Pulou no buraco do trem, acorrentou um dos pés ao trilho, passou o
cadeado nos elos e jogou fora a chave.
Rapidamente a segurança foi acionada e a circulação dos trens
interditada. Os primeiros seguranças que desceram à via perguntaram ao rapaz
qual o motivo daquele ato insano. Valdemário disse que estava querendo que Néia
o aceitasse de volta. Sem ela não havia motivo para viver. Logo depois chegaram
os policiais.
Em poucos minutos a plataforma se encheu de gente. Até quem esperava
trem na outra linha, Itaquera-Barra Funda, somou-se à multidão. Equipes de
rádio, televisão e jornal também apareceram, procurando abrir caminho em meio à
balbúrdia. “Imprensa! imprensa!”, gritavam.
Na linha do trem, nenhum segurança ou policial conseguia
desacorrentar Valdemário, que continuava resoluto em seu desatino e clamava por
Néia. Vários funcionários do metrô, até mesmo os da bilheteria, e passageiros
procuravam a chave na plataforma e nos trilhos, sem êxito.
Sem chave, só restava romper o cadeado ou a corrente com maçarico.
Os bombeiros trouxeram o aparelho, mas não conseguiam chegar ao local. O
obstáculo humano era quase intransponível. As pessoas se juntavam dentro e fora
da estação. Até nas ruas adjacentes, havia confusão. Todas as linhas do metrô,
estavam paradas.
Um pastor jogou uma bíblia em direção ao acorrentado. “Sua salvação,
meu filho.” Um dono de agência de emprego atirou o cartão de visita.
“Procure-me amanhã.” Uma repórter de rádio deixou cair o celular nos trilhos,
enquanto noticiava o fato. Uma senhora jogou o molho de chaves de sua casa.
“Tem uma que é do cadeado do meu portão, talvez sirva.”
OTÁVIO NUNES É JORNALISTA |
Na casa onde trabalhava como empregada doméstica, Néia viu a cena
pela televisão. “Valcinéia, se você estiver nos assistindo, ligue para nossa
central de jornalismo”, disse o apresentador do programa policial. Ela discou o
número e falou no ar. Sua ligação foi transferida para o local e o repórter
passou o telefone para Valdemário. “Val, estou arrependida. Pare com esta
loucura. Eu te aceito de volta.” O casal tinha ganho notoriedade nacional e
todo o País viu e ouviu Valdemário esbravejar sua alegria. “Você jura, Néia?”
Depois de alguns minutos, os bombeiros conseguiram chegar até
Valdemário. Mas na hora de ligar o maçarico, não havia nenhuma tomada perto.
Minutos depois, o eletricista da companhia trouxe a extensão com 50 metros de
comprimento. O maçarico não cuspiu nenhuma leve centelha. O aparelho era de 220
volts e a tomada, 110. Mais alguns minutos se passaram e finalmente Valdemário
estava livre.
Uma senhora, que durante toda a confusão ficara com seu filho de
dois anos no colo, encostada num canto da plataforma, esperou a multidão se
dispersar e pôs o menino no chão. Depois viu que ele brincava com algo metálico
na mão, uma pequena chave de cadeado.
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