FOTO: MAMA ÁFRICA |
Tanto sorriso, escreve a simplicidade de um momento, sem disciplina!
ANA ANDRADE
O inverno agreste não dava descanso, levando-a a procurar abrigos
onde pudesse amenizar a sua fadiga. Era véspera de Natal e a cidade parecia
mergulhada no silêncio, um ou outro carro quebrava a tranquilidade da noite
gélida, que os homens diziam ser de paz.
Num tempo distante a família juntava-se para a consoada, as mesas
eram fartas de iguarias, sem esquecer o tradicional bacalhau. Tudo parecia
conjugado, para uma vida normal, um emprego de sucesso, numa empresa de
publicidade e um marido que ela adorava. Nunca pensou ter filhos, não sentia o
apelo da maternidade, até porque o trabalho, a absorvia por completo. Sempre
gostara de beber, e com uma profissão tão exigente, o álcool era um incentivo à
sua criatividade. Tinha colegas que inalavam cocaína, mas ela não nunca se
tentara, a bebida era muito mais acessível e não tornava as pessoas dependentes
- pensava ela!
Um dia ao chegar a casa, deparou-se com a mesma, quase vazia - o seu
casamento andava meio estremecido, o marido parecia ausente e ela atribuía ao
trabalho - um bilhete sobre a mesa, dizia que queria o divórcio e que o
advogado entraria em contacto com ela. Assim sem uma explicação, ele dava por
terminado o casamento. Ela ainda tentou uma reconciliação, mas nada o demoveu,
a sua decisão tinha sido muito ponderada e uma vez que já não existia nenhum
sentimento, o melhor eram seguirem com as suas vidas separadamente.
Aos poucos a bebida foi tomando conta dela, levando-a a descurar o
trabalho e precipitando o seu despedimento. Os amigos foram se afastando e a
família, que inicialmente a tinha ajudado, confrontadas com o seu vício,
acabaram por a rejeitar. Sem emprego e sem meios de se sustentar, foi forçada a
deixar a casa onde vivia. Ao princípio foi difícil adaptar-se à mendicidade,
mas com o tempo foi aprendendo a sustentar o seu vício, recorrendo à
prostituição ou pedindo esmola, para de seguida, despender todo o dinheiro em
bebida.
Ela apenas queria se esquecer de si, mergulhar no torpor que o álcool
oferecia, mas o dia não tinha corrido bem. O frio cortante penetrava o seu
corpo magro, enregelando-o. Para ela não havia o aconchego de uma cama nem
presentes de Natal. Com alguma sorte talvez conseguisse arranjar um espaço,
para dormir, numa das arcadas que havia pela cidade.
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