sexta-feira, 26 de agosto de 2016

INSTANTES: ANA ANDRADE

FOTO: MAMA ÁFRICA

Tanto sorriso, escreve a simplicidade de um momento, sem disciplina!


ANA ANDRADE

O inverno agreste não dava descanso, levando-a a procurar abrigos onde pudesse amenizar a sua fadiga. Era véspera de Natal e a cidade parecia mergulhada no silêncio, um ou outro carro quebrava a tranquilidade da noite gélida, que os homens diziam ser de paz.

Num tempo distante a família juntava-se para a consoada, as mesas eram fartas de iguarias, sem esquecer o tradicional bacalhau. Tudo parecia conjugado, para uma vida normal, um emprego de sucesso, numa empresa de publicidade e um marido que ela adorava. Nunca pensou ter filhos, não sentia o apelo da maternidade, até porque o trabalho, a absorvia por completo. Sempre gostara de beber, e com uma profissão tão exigente, o álcool era um incentivo à sua criatividade. Tinha colegas que inalavam cocaína, mas ela não nunca se tentara, a bebida era muito mais acessível e não tornava as pessoas dependentes - pensava ela!

Um dia ao chegar a casa, deparou-se com a mesma, quase vazia - o seu casamento andava meio estremecido, o marido parecia ausente e ela atribuía ao trabalho - um bilhete sobre a mesa, dizia que queria o divórcio e que o advogado entraria em contacto com ela. Assim sem uma explicação, ele dava por terminado o casamento. Ela ainda tentou uma reconciliação, mas nada o demoveu, a sua decisão tinha sido muito ponderada e uma vez que já não existia nenhum sentimento, o melhor eram seguirem com as suas vidas separadamente.

Aos poucos a bebida foi tomando conta dela, levando-a a descurar o trabalho e precipitando o seu despedimento. Os amigos foram se afastando e a família, que inicialmente a tinha ajudado, confrontadas com o seu vício, acabaram por a rejeitar. Sem emprego e sem meios de se sustentar, foi forçada a deixar a casa onde vivia. Ao princípio foi difícil adaptar-se à mendicidade, mas com o tempo foi aprendendo a sustentar o seu vício, recorrendo à prostituição ou pedindo esmola, para de seguida, despender todo o dinheiro em bebida.

Ela apenas queria se esquecer de si, mergulhar no torpor que o álcool oferecia, mas o dia não tinha corrido bem. O frio cortante penetrava o seu corpo magro, enregelando-o. Para ela não havia o aconchego de uma cama nem presentes de Natal. Com alguma sorte talvez conseguisse arranjar um espaço, para dormir, numa das arcadas que havia pela cidade.

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