NA FEIRA
COM PROUST
(Por Clóvis
Campêlo) Não
existe nada mais nordestino do que o verde da cana-de-açúcar ilustrando e
adoçando os campos da zona da mata pernambucana. Essa visão sempre me invadiu
as retinas desde a mais tenra idade. Como já disse o poeta, parafraseando os
quatro cavaleiros do após calipso, “sugar fields forever”!
A monocultura da cana, aliás, alimentou toda
uma cultura literária baseada na sua organização produtiva, social e econômica.
Somos o povo do açúcar, com tudo de bom e de ruim que isso possa ter nos
trazido. Da casa grande à senzala, passando pela mansão de Apipucos e pelas
delícias do famosíssimo licor de pitanga. Saravá!
Lembro com carinho do meu avô paterno, seu
Zeca, de manhã bem cedo, comendo o seu ovo frito com açúcar. Lembro também da
minha mãe, dona Teresa, que gostava de comer carne guizada desfiada com açúcar.
Lembro dos bolos de rolo das tias, do bolo formigado de dona Carmelita, a minha
avó materna. Lembro até do falecido senador e governador biônico de Pernambuco
Nilo Coelho, no qual nunca votei, gordo e bonachão, já diabético, no fim da
vida, desfiando as orientações médicas e se deliciando com o sorvete de manga
da Fri-sabor, sorveteria quase cinquentenária e tradicional do Recife. Enfim,
cresci desejando e comendo açúcar como se isso fosse a coisa mais natural do
mundo. Equivocadamente, ou não, a felicidade sempre me pareceu branca e doce
como o açúcar.
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Para mim, portanto, tornou-se uma tradição,
sempre que possível, nas manhãs alegres e iluminadas dos sábados, ir à feira do
Cordeiro, bairro situado na zona oeste do Recife, onde moro há mais de vinte
anos, e tomar um caldo de cana com limão e bolo bacia. Verdadeiro maná dos
céus. Ir ao Mercado de São José e não tomar um caldo de cana com bolo bacia?
Nem pensar! Visitar a Feira de Caruaru e não degustar a delícia divina? Nunca!
Mas, o que teria o tão distante Marcel Proust a
ver com tudo isso?
Nem eu mesmo saberia responder, caros amigos,
se não me tivesse chegado às mãos, através do poeta José Rodrigues Correia
Filho, uma edição antiga e bem editada da infelicidade proustiana contada no
livro “Em busca do tempo perdido”.
As famosas “madeleines”, bolo pequeno e
tradicional da região de Lorraine, no nordeste da França, apreciadas com
devoção pelo pequeno e angustiado personagem proustiano, nada mais são do que
os apetitosos bolinhos bacia que devoro com caldo de cana, nas feiras do
Recife, com satisfação, nos dias iluminados de sábado.
Nesses dias, Proust sempre esteve comigo e nem
eu mesmo sabia.
Saravá!
Recife, 2010
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